Título: Pega num contrapé fiscal, Argentina já corta gastos
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2008, Internacional, p. A10

A crise financeira internacional está pegando a Argentina em plena marcha de desaceleração e trouxe dois grandes riscos para sua economia: a queda dos preços das commodities agrícolas, principalmente a soja, e uma corrida ao dólar. O Banco Central tem feito todos os esforços para que o dólar permaneça em um patamar próximo aos 3,00/3,10 pesos, mas foi vencido esta semana. Na quarta-feira em meio ao pânico dos mercados, o dólar chegou a 3,24 pesos. Ontem se estabilizou em 3,215 para compra e 3,245 para venda.

Assustados com o noticiário sobre as bolsas de valores, muitos argentinos fizeram fila nas casas de câmbio do centro de Buenos Aires para comprar dólares. A moeda americana sempre foi o ativo preferido dos argentinos como reserva de valor e poupança, ainda mais depois dos "corralitos" de 2002.

A queda das cotações internacionais da soja e de outras commodities agrícolas como milho e trigo ameaça a arrecadação do Tesouro. A Argentina é um dos maiores exportadores de soja e milho do mundo e os direitos de exportação (retenções) cobrados sobre estes produtos contribuem com cerca de 14% na arrecadação total do governo, representando aproximadamente 3,7% do PIB.

Desde que chegou ao pico de US$ 690 a tonelada na Bolsa de Chicago em junho, o preço da soja despencou até chegar a US$ 350 esta semana. Com a queda na arrecadação de retenções e o governo é obrigado a aumentar impostos ou cortar gastos para manter o superávit primário e garantir recursos para o pagamento das dívidas. Como não quer aumentar imposto - em 2009 haverá eleição para renovação de parte do Congresso - o governo de Cristina Fernández de Kirchner está preferindo cortar uma de suas maiores despesas: os subsídios. Isso significa aumento de tarifas públicas e mais inflação.

Por outro lado, a forte desaceleração da produção, vendas e consumo nos últimos meses ajuda a diminuir a inflação. Esta semana, economistas e consultores independentes apontaram que em setembro a alta de preços ficou entre 0,7% e 1%, abaixo da média de 1,2% a 1,5% que prevaleceu este ano.

A desaceleração da economia começou no primeiro trimestre com uma paralisação dos agricultores que durou três meses, em protesto por um aumento de impostos. Agora está sendo aprofundada pela crise internacional. As projeções de expansão do PIB para 2008 baixaram de 7% a 8%, estimados no primeiro trimestre, para algo entre 5,5% e 6,5%, percentuais bem inferiores ao registrado em 2007, quando o país cresceu 8,5%. Para 2009, a previsão é de um crescimento máximo de 3,5% a 4%.

Logo que estourou a crise do "subprime" nos EUA, a presidente Cristina Kirchner disse que o país estava imune e até usava termos irônicos ao referir-se ao problema que afetava os bancos americanos. Com o passar dos dias, quando foi ficando claro que os mercados argentinos estavam sendo arrastados tanto quanto os demais e que a economia do país não passaria imune, Cristina passou a tratar o tema com mais sobriedade. Esta semana ela decidiu montar um "grupo de acompanhamento da crise", formado pelo chefe de Gabinete (equivalente a chefe da Casa Civil) Sergio Massa, o ministro da Economia, Carlos Fernández, o secretário de Finanças, Hernán Lorenzino e o presidente do Banco Central, Martin Redrado. A missão do grupo será avaliar mais de perto a evolução da arrecadação tributária, gastos, investimentos, comércio exterior e a inflação.