Título: Brasil adota tom mais duro e adia missão ao Equador
Autor: Rittner, Daniel; Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2008, Internacional, p. A10

A escalada de ameaças do governo equatoriano a empresas brasileiras irritou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Itamaraty, que decidiram aumentar o tom da reação. Por orientação direta de Lula, foi cancelada uma missão brasileira sob comando do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, que discutiria o apoio a obras de infra-estrutura viária no Equador. A missão, agendada para o dia 15, não tem mais data para ocorrer.

O embaixador do Brasil em Quito, Antonino Marques Porto, entrou em contato com a chanceler equatoriana, María Isabel Salvador, e disse que os "últimos desdobramentos" envolvendo Odebrecht e Petrobras "contrastam com as expectativas de uma solução favorável" surgidas no encontro entre Lula e o presidente Rafael Correa, em Manaus, na semana passada. Na ocasião (bem como dias antes, rapidamente e de forma paralela à Assembléia Geral da ONU, em Nova York), Correa havia sinalizado claramente a Lula disposição de conversar com o presidente brasileiro antes de tomar medidas mais severas ou de endurecer o discurso, segundo fontes diplomáticas.

Como sua atitude foi diferente, o governo brasileiro avaliou que não havia outra saída. Isso não significa, para o Itamaraty e para o Palácio do Planalto, que desta vez tenha havido mais ou menos pragmatismo do que em contenciosos anteriores, com a Bolívia ou com o Paraguai e mesmo com a Venezuela. As críticas de Hugo Chávez ao Senado e ao Mercosul, por exemplo, sempre foram vistas como mero exercício retórico. A cautela adotada nos episódios da Bolívia e do Paraguai levou em conta não apenas a pressão doméstica vivida por Evo Morales e Fernando Lugo, como os próprios interesses estratégicos do Brasil. No caso da Bolívia, lembra uma fonte oficial, uma ruptura drástica poderia colocar em risco o abastecimento de gás natural; no caso do Paraguai, a controvérsia envolve a energia elétrica de Itaipu, fundamental para suprir o mercado brasileiro.

Em ambos os casos, as primeiras conversas cara a cara geraram mais entendimentos que sinais dúbios, o contrário do que ocorre agora com Correa, avalia o Planalto.

Sem nenhum interesse estratégico imediato em jogo no Equador, o governo sente-se com mais margem de manobra para reagir. O tom subiu apenas um passo, por meio de nota oficial e não de declarações duras de Lula ou do chanceler Celso Amorim, depois de um período de paciência com Quito. No início, o Itamaraty viu na pressão sobre a Odebrecht a tentativa de Correa de criar um fato político em pleno período de campanha pelo "sim" à nova Constituição. Mas a pressão não diminuiu após o referendo, e aumentaram as ameaças de expulsão da Odebrecht e da Petrobras.

O Equador acusa a Odebrecht de falhas na construção da hidrelétrica de San Francisco. A empreiteira também constrói outras duas usinas, um projeto de irrigação e um aeroporto no país - empreendimentos que estão no início ou em andamento. A Petrobras tem investimentos na exploração de petróleo e é a multinacional petrolífera com maior dificuldade de entendimento com o governo na renegociação de contratos que prevêem alta devem aumentar a tributação para até 99% dos lucros.