Título: Planos de salvamento podem reverter ânimo dos mercados
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2008, Opinião, p. A12

Os mercados europeu e norte-americano só estão em funcionamento graças a intervenções maciças, diárias e crescentes de dinheiro despejadas pelos bancos centrais. A intervenção coordenada de seis BCs para reduzir as taxas de juros não teria, por si só, o poder de reverter expectativas que hoje estão no fundo do poço, nem para restaurar imediatamente mercados combalidos, mas indicou - ainda que tardiamente - que é possível organizar respostas conjuntas à crise. Diante de cotidianas surras nas ações e uma paralisia explosiva nos mecanismos de crédito, o governo do Reino Unido construiu uma alternativa para recuperar bancos semi-falidos que poderá servir de ânimo e de inspiração para governos, como o americano, que já receberam apoio e dinheiro para fazer a mesma coisa. Até mesmo pela magnitude da liquidez despejada, pode não estar longe o momento em que os mercados reagirão positivamente às maiores intervenções no sistema financeiro desde a Grande Depressão.

Foram necessários meses de um pânico tenebroso para que governos e bancos centrais chegassem à conclusão de que estavam diante da maior crise bancária do Pós-Guerra, que não pouparia nenhum dos grandes ícones das finanças mundiais. Precipitou esta impressão a mudança de posição do Fed norte-americano que culminou com a falência do Lehman Brothers. Antes, ao garantir com mais de US$ 30 bilhões a compra do Bear Stearns pelo JP Morgan, o Fed segurou o pessimismo do mercado com a sinalização de que não deixaria grandes bancos quebrarem. O pânico se instalou quando ele passou a fazer o contrário e entregou o Lehman a sua própria sorte. A desconfiança, principalmente entre as próprias instituições financeiras, cresceu exponencialmente e os mecanismos de empréstimos da economia estancaram de vez.

Os bancos centrais praticamente substituíram os mercados, cujos principais participantes só conseguem operar com injeções de dinheiro público. A rede de proteção das autoridades americanas chega aos US$ 3,4 trilhões, calcula a revista "The Economist". O pacote britânico de resgate aproxima-se do US$ 1 trilhão. Não é pouco e não é tudo. O Fed aventura-se nos empréstimos para empresas, típica função dos mamutes do setor privado. Ele prometeu fazer isso para desencalacrar a emissão de commercial papers, vital para as companhias que necessitam de capital de giro. Virtualmente, o BC dos EUA passa cada vez mais a atuar não só como emprestador de última instância mas também como o único emprestador, em territórios onde não há garantias sólidas por parte dos tomadores, envoltos hoje pela mais completa desconfiança de todos em relação a todos.

Ao estatizar parte do sistema financeiro e prometer comprar a enorme montanha de ativos podres em breve, o Tesouro americano prepara-se também para capitalizar os bancos, assumindo participação acionária. O pacote do Reino Unido tem a mesma função e foi feito de forma bem mais planejada que o americano, concebido às pressas sob as pancadas de uma aterradora realidade. Os governos salvarão os bancos de si próprios, com o arsenal já conhecido sobre crises bancárias. Primeiro, tentarão eliminar o que resta de papéis podres - US$ 760 bilhões já foram exterminados, mas cálculos do FMI colocam o montante a ser incinerado acima de US$ 1 trilhão. O pacote americano contempla esta parte. O do Reino Unido vai além. Para por-se de pé, os bancos necessitarão de garantias para os papéis que emitirem, já que as instituições financeiras não querem emprestar para mais ninguém - e menos que nunca para outros bancos. O Tesouro britânico dará estas garantias. Depois de eliminar ativos podres e garantir captações, os governos capitalizarão os bancos - algo explícito no plano do Reino Unido e uma promessa no caso do resgate nos EUA.

A crise é grave o suficiente para desarmar planos. Mas nunca tanto dinheiro foi colocado em intervenções como as que estão mobilizando os BCs. Em algum momento, elas surtirão efeito. Uma débâcle desta magnitude, porém, não se conserta em meses e graves riscos continuarão assustando investidores exangues, entre eles os efeitos nocivos de uma desaceleração sobre um sistema financeiro em ruínas. Mas as operações de salvamento têm como mantê-lo à tona.