Título: Governo ganha com alta do dólar
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2008, Finanças, p. C1

Enquanto empresas como Aracruz e Sadia registram pesadas perdas em operações com dólar, o governo desponta como um dos principais ganhadores com a disparada da taxa de câmbio. O Banco Central já ganhou US$ 6,507 bilhões em operações com derivativos cambiais em setembro, mês em que o dólar se valorizou 17,5%.

O governo ganha com a desvalorização do dólar porque, desde 2006, é credor em moeda estrangeira: tem mais créditos e outros ativos em dólares, como reservas internacionais, do que dívidas na moeda americana. Quando o dólar se valoriza, os ativos do governo também se tornam mais valiosos.

A chamada posição ativa em dólar do governo foi construída ao longo dos últimos cinco anos, aproveitando a abundância de dólares no mercado de câmbio. O BC comprou muitos dólares no mercado a vista, o que fez com que as reservas internacionais chegassem hoje a US$ 208,3 bilhões. O volume de reservas equivalia em agosto a 11,5% do PIB, percentual que supera a dívida externa federal (9,6% do PIB no período).

A posição ativa em moeda estrangeira faz com que, quando há valorização do dólar, a dívida líquida do setor público caia. Os cálculos são de que a desvalorização cambial ocorrida em setembro, de 17,5%, tenha efeito positivo pouco maior do que 1,7 ponto percentual na redução da dívida líquida do setor público, que em agosto equivalia a 40,5% do PIB.

A queda da dívida líquida não é o único ganho do governo. O BC também assumiu posições ativas em dólar no mercado futuro, por meio da venda dos chamados "swaps" cambiais reversos, instrumentos financeiros em que o BC se compromete a pagar a agentes privados juros da taxa Selic e, em troca, recebe a variação da taxa de câmbio.

Em fins de setembro, o BC tinha posição ativa de US$ 22,42 bilhões no mercado futuro de dólares. Nas últimas semanas, o BC vem desfazendo parte dessa posição ativa em dólar, dentro da estratégia para acalmar os mercados em meio à disparada do dólar. A autoridade monetária passou a vender "swaps" cambiais, em que recebe dos investidores privados a Selic e paga a variação do dólar. Apenas ontem foram vendidos US$ 911 milhões desses "swaps".

O fato de o BC estar desfazendo a posição ativa em dólar no mercado futuro não significa que irá deixar de auferir os ganhos proporcionados pela recente desvalorização do dólar. O BC deixa de ganhar se houver desvalorização daqui por diante, mas os lucros da desvalorização que já ocorreu até agora estão garantidos. Na hipótese de o BC vender muitos swaps cambiais, assumindo posição passiva em dólar, passará a perder, caso haja desvalorizações adicionais do dólar. Em compensação, irá ganhar se o real se fortalecer.

Os ganhos do BC nas operações no mercado futuro só se concretizam no vencimento dos contratos. Em setembro, o BC ganhou R$ 6,507 bilhões em virtude dos vencimentos de contratos cambiais ocorridos no mês, segundo dados da base monetária divulgados anteontem.

Empresas não financeiras perdem no mercado futuro, enquanto o BC ganha. Mas não é possível vincular automaticamente uma coisa a outra. O BC não divulga as contrapartes de seus contratos. Além disso, pelas informações disponíveis, as empresas fecharam operações de derivativos cambiais com bancos.

Se hoje a posição ativa em dólares rende lucros ao governo, nos últimos anos aconteceu o contrário: causou pesados prejuízos. No primeiro semestre, o balanço do BC registra uma perda de R$ 44,2 bilhões em virtude dos efeitos que a desvalorização do dólar ocorrida no período, de 10,3%, teve sobre as reser- vas e sobre os "swaps" cambiais.

O BC sustenta que suas operações cambias não visam lucros contábeis. Na visão do órgão, o acúmulo de dólares pela compra de moeda no mercado pronto ou futuro, deixa o país mais protegido para enfrentar crises externas e, desse modo, reduz o risco Brasil e o custo das captações externas - privadas e do governo.

Quando o governo tinha posição ativa em dólar, a desvalorização cambial aumentava a dívida pública e criava dúvidas sobre a solvência fiscal, elevando a percepção de risco do país e levando a novas desvalorizações cambiais. Foi o que ocorreu em 2002, quando a crise econômica da eleição provocou a disparada do dólar. A dívida líquida do setor publico chegou ao pico de 56% do PIB.