Título: Déficit da indústria explode e chega a US$ 8 bilhões até agosto
Autor: Maia, Samantha
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2008, Brasil, p. A3

A valorização do dólar não deve reverter os resultados negativos da balança comercial da indústria de transformação no curto prazo. Até agosto, o déficit comercial da indústria de transformação já acumula um déficit de US$ 8 bilhões. Esse resultado representa uma piora de desempenho de US$ 18 bilhões em relação ao mesmo período do ano passado, quando foi registrado um superávit de US$ 10 bilhões. Para 2009, o cenário ainda não está claro, pois depende do patamar em que o dólar irá se estabilizar e de como a economia mundial reagirá às políticas de combate à crise do sistema financeiro internacional. Mas poucos acreditam em um retorno dos superávits em tão pouco tempo. Em 2005 e 2006, a indústria registrou saldos positivos superiores a US$ 20 bilhões, e encerrou 2007 com superávit de US$ 10,3 bilhões. Davilym Dourado / Valor Para Pimentel, ampliação das exportações dependerá do novo patamar do dólar

Na análise de representantes dos setores que mais estão puxando o déficit da balança comercial da indústria de transformação - mecânica, material eletrônico e de comunicação, química e têxtil -, a retração da demanda mundial provocada pela crise financeira deve anular qualquer ganho de competitividade obtido com a valorização do dólar. Além disso, eles avaliam que seria necessário um período mais longo com dólar a níveis elevados para que o câmbio pudesse provocar efeito positivo sobre as exportações.

O período de dólar baixo no meio do ano acelerou o crescimento do déficit industrial. De junho a agosto, o dólar ficou no patamar de R$ 1,60, atingindo R$ 1,55 em 1º de agosto, menor valor do ano. Esse movimento, junto com a demanda interna aquecida, ajudou a impulsionar as importações industriais. Enquanto as exportações cresceram 6,4% de janeiro a agosto deste ano na comparação com o mesmo período de 2007, as importações aumentaram 37,9%.

Os efeitos da valorização do dólar sobre as importações só devem ser sentidos após uns 90 dias, avalia Roberto Giannetti, diretor do departamento de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Dessa forma, os resultados de déficit em 2008 não devem ser revertidos por conta da crise. "Daqui 90 dias é possível ver alguma mudança, porque o consumidor já está mais cauteloso, o crédito está menor, mas nada que interfira na balança comercial desse ano, deficitária por conta do câmbio valorizado e da demanda interna aquecida."

A valorização do real pegou em cheio a indústria têxtil no meio do ano. O déficit na balança comercial, que no ano passado foi de US$ 507 milhões, deve fechar o ano em US$ 1 bilhão, mesmo com o encarecimento do dólar a partir de setembro, o que poderia dar mais competitividade aos produtos exportados. Por conta da crise, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) estima que a importação deve retrair 50% a partir de outubro, chegando a US$ 3 bilhões no ano, enquanto poderia chegar a US$ 3,9 bilhões caso seguisse o ritmo do ano até então.

As exportações, por sua vez, devem permanecer estáveis. "O dólar mais alto pode ser positivo, mas será que teremos mercado para ganhar agora?", questiona Fernando Pimentel, diretor superintendente da Abit. Segundo ele, é preciso primeiro saber em que patamar o dólar se estabilizará para depois conseguir aumentar as vendas para o exterior. A expectativa do setor é de que o dólar se mantenha próximo dos R$ 2, o que daria mais margem competitiva.

Segundo o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, o câmbio não se manterá nos patamares atuais, acima dos R$ 2. "Continuamos com a hipótese de que, passada a crise mais forte, o câmbio tende a apreciar levemente, indo para algo como R$ 1,85 até o final do ano", diz.

Apesar do nível médio de utilização da capacidade instalada da indústria têxtil estar em 88,7%, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Pimentel diz que a indústria nacional segue perdendo espaço para as importações. Até julho, as vendas de bens têxteis no varejo doméstico cresceram 11%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A produção têxtil nacional, porém, permaneceu estável (alta de 0,27%), enquanto a importação teve alta de 25%. "Ainda temos espaço para crescer, o nível atual da capacidade instalada não indica estrangulamento, mas estamos perdendo a concorrência para o importado." A produção local de bens de vestuário (confecção) subiu 4,87% de janeiro a agosto.

Fertilizante foi o item da indústria química que mais cresceu nas importações, representando US$ 6 bilhões ou 41% dos US$ 14,7 bilhões de importações acumuladas no ano até agosto. Em 2007, quando as importações no mesmo período foram de US$ 8 bilhões, a representatividade dos fertilizantes era de 32,5%. Nesse caso, o uso da capacidade instalada da indústria nacional chegou ao seu limite, que hoje é suficiente apenas para atender parte do mercado interno.

A queda do preço do petróleo, matéria-prima dos fertilizantes químicos, pode amenizar esse impacto, mas não este ano. O maior volume de compras de adubos é feito até setembro, por conta do início do período de plantio. As compras maiores devem ser retomadas por volta de março do ano que vem. "A gente ainda está no meio de um tsunami, é cedo para fazer projeções, mas o déficit da balança deve se manter", diz Nelson Pereira dos Reis, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).

O dólar mais caro hoje também não alivia a situação da indústria de eletroeletrônicos. "A competitividade é alavancada pelo câmbio, mas para um mercado debilitado, a tendência é que a atividade dê uma desaquecida", diz Luiz Cezar Elias Rochel, gerente do departamento de economia da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). As projeções da associação são de que as exportações do setor fechem o ano em US$ 10,3 bilhões, e as importações em US$ 33,7 bilhões, um déficit de quase US$ 20 bilhões.

Mesmo com o aumento de 15% das exportações de celulares em agosto de 2008 sobre agosto do ano passado, principalmente para o mercado latino-americano, e de 23% dos transformadores no mesmo período, impulsionadas pelos investimentos mundiais em energia, o setor de eletroeletrônicos acumula déficit de US$ 8,8 bilhões de janeiro a agosto deste ano. Em julho, as exportações de eletroeletrônicos caíram 3% em relação ao mês anterior e em agosto, 7%.

"Com um câmbio num patamar de R$ 1,6, a competitividade fica abalada, e isso ficou demonstrado com a queda das exportações do setor em dois meses consecutivos", diz Rochel. No ano até agosto, as exportações cresceram 9,3%, segundo dados da entidade, mas ficaram bem abaixo da evolução das importações, de 42,2%.

No setor de mecânica, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) estima que a balança comercial fechará o ano com saldo negativo de cerca de US$ 11 bilhões, que não será afetado pela crise por se tratar de encomendas antigas. "No ano que vem pode haver impacto, com queda do déficit, mas a produção nacional também será afetada, então não se trata de um cenário positivo", diz Mário Bernardini, consultor econômico da Abimaq.

O déficit tem sido impulsionado pelo aquecimento da demanda interna e pela competitividade do produto importado. "Agora muda tudo, pois a queda de investimentos provocada pela crise vai retrair tanto a importação quanto as exportações", diz Bernardini. Segundo ele, com esse cenário não é possível ver aumento de competitividade com o dólar mais forte. "Quem é que vai investir lá fora agora? O mercado vai encolher, então apesar de ter mais chance de competir, será num mercado menor."

Para Vale, da MB Associados, só uma taxa de câmbio elevada durante mais tempo e a volta do crescimento da economia mundial poderia reativar as exportações da indústria de transformação brasileira. "Com o câmbio depreciando e a demanda interna mais fraca, podemos ter uma leve reversão da tendência de déficit na balança comercial da indústria dos manufaturados, mas não forte o suficiente", diz ele.