Título: Emenda do DEM atrela fundo soberano ao BC
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2008, Política, p. A5

A possibilidade de que a Câmara tenha mesmo que votar, já nas próximas semanas, o projeto do Fundo Soberano do Brasil (FSB) levou o Democratas a apresentar um texto alternativo na forma de emenda substitutiva global. Assim como PPS e PSDB, o DEM vai insistir na retirada da urgência constitucional dada pelo governo ao projeto, na frente do qual só há, agora, duas medidas provisórias na lista de prioridades impostas pelas regras de tramitação. Entretanto, como o risco de votação a curto prazo persiste e é grande, o partido achou prudente ter uma proposta alternativa, em torno da qual a oposição possa tentar um acordo com a base parlamentar governista. Aleluia: "Se o projeto for aprovado como no original, com esta crise teremos um caminhão desgovernado na contramão"

"Entendemos que não é hora. Mas se é para termos um fundo soberano, é preciso pelo menos assegurar que ele terá boas práticas de governança, transparência e controle. Se o projeto for aprovado na forma como foi apresentado pelo governo, principalmente depois do agravamento dessa crise, teremos um caminhão desgovernado na contramão", alertou o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), ontem, em entrevista ao Valor. Foi a ele que recebeu do partido a missão de elaborar a emenda substitutiva global, já protocolada.

A diferença em relação ao projeto original começa logo no primeiro artigo. O FSB seria um fundo de natureza contábil e financeira vinculado ao Banco Central e não ao Ministério da Fazenda, como quer o Poder Executivo. Assim, o DEM espera dar ao novo mecanismo alguma blindagem contra riscos de uso político-partidário e de falta de sintonia com as políticas monetária e cambial, das quais depende o controle da inflação.

O projeto do partido também proíbe expressamente o fundo de conceder empréstimos, financiamentos e avais a governos ou empresas, dentro ou fora do país. O DEM teme que o presidente Lula ou um sucessor eventualmente a ele alinhado passe por cima de práticas prudenciais e use o FSB para financiar projetos de interesse dos governos de Bolívia, Equador e Venezuela, vistos como não-democráticos e demasiadamente intervencionistas na vida das empresas, inclusive as de capital brasileiro lá instaladas. Diante da orientação econômica adotada por esses governos estrangeiros, o pressuposto do DEM é de que o risco de calote seria grande para o Brasil.

Pelo texto de Aleluia, em princípio, o FSB poderia investir somente na "aquisição de ativos financeiros externos, sob forma de depósitos especiais remunerados em instituições financeiras de primeira linha". Havendo superávit nominal no âmbito da União - o que significa sobra de receita primária (não-financeira) acima do necessário para cobrir a conta de juros do governo central e suas estatais - abriria-se possibilidade de o fundo aplicar ainda em ações de empresas, também de primeira linha. Esses investimentos seriam limitidos a 0,1% do capital total de cada uma e ao valor do superávit nominal verificado.

Tanto no caso de instituições financeiras quanto no de empresas, o projeto considera de primeira linha aquelas assim conceituadas por pelo menos três agências internacionais de classificação de risco. Portanto, na carteira de ativos do FSB só entrariam depósitos e ações de bancos e companhias com o melhor nível de classificação de risco de crédito.

Dependendo do país-sede, pelo projeto, nem mesmo empresas e bancos de "primeira linha" poderiam receber aplicações do FSB. É que o texto proíbe aquisição de ativos em países que ainda não tenham recebido "grau de investimento" pelos agências internacionais de classificação de risco.

O projeto do DEM ainda exige auditoria externa e limita as fontes de recursos do FSB. Além de superávits nominais, o governo poderia destinar ao fundo só dotações do orçamento fiscal e ações de empresas estatais federais excedentes ao mínimo necessário para manutenção do controle acionário.

A proposta proíbe que sejam aportados ao fundo recursos provenientes de emissão de dívida pela União ou de doações de empresas estatais federais. Essa última restrição visa a evitar que o controle parlamentar via orçamento, que é votado pelo Congresso, seja burlado (as estatais só submetem ao Congresso seus planos de investimento). O Congresso participaria indiretamente do FSB, pois seria responsável pela indicação da maioria dos nove membros de seu conselho gestor. Os conselheiros, por sua vez, necessariamente seriam pessoas de "notório saber" em gestão financeira. Para assegurar amplo controle e evitar excesso de influência do Parlamento, o conselho gestor elaboraria as normas de organização e funcionamento do fundo mas não teria poder para aprová-las. A aprovação dependeria do Conselho Monetário Nacional, instância formada pelo Banco Central e ministérios da Fazenda e do Planejamento.

O DEM considera que o projeto original é um "cheque em branco" para o governo, pois "carece de amarras" no que se refere a normas relativas a governança, controle e transparência. O leque de fontes de recursos e de aplicações, por exemplo, que é bem restrito e bem definido no projeto da oposição, "está muito solto" no do governo, porque é muito amplo, diz o deputado José Carlos Aleluia. O projeto original prevê regulamentação, mas por decreto do próprio presidente da República.

Ainda que a Emenda do DEM prevaleça, Aleluia entende que o país não deve constituir tão cedo o FSB. Ele avalia que a situação macroeconômica não recomenda, sobretudo após o agravamento da crise internacional de crédito. Na sua opinião, o papel dos fundos soberanos é ser uma poupança fiscal anticíclica (reserva para tempos de eventual dificuldade fiscal), constituída fora do país, via investimentos seguros no exterior. Então, conclui, só podem ter esses fundos países com grande superávit de transações correntes com o exterior, o que não é o caso do Brasil. Ao contrário, nesse e no próximo ano, o país terá déficit nas contas externas, o que significa necessidade de financiamento externo. E se o país ainda precisa de financiamento externo, pelo menos por enquanto, não faz sentido constituir um fundo para investir recursos fiscais no exterior, diz.