Título: PSDB teme que crise gere aventureiros em 2010
Autor: Costa, Raymundo; Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2008, Política, p. A7

Uma semana após as eleições municipais de domingo, uma certeza e uma dúvida permeiam a classe política: o governador de São Paulo, José Serra, saiu fortalecido na disputa interna partidária com o governador Aécio Neves pela indicação do PSDB a presidente da República, e hoje, líder das pesquisas, é o nome mais forte da oposição à sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva Fabio Rodrigues Pozzebom / ABr - 8/10/2008 Dilma e Serra: ao visitar presidente no Planalto, três dias depois do 1º turno, governador deixou claro que a disputa, em São Paulo, é com Marta e não com ele, Lula

Mas ao mesmo tempo em que a primeira semana de outubro deu mais consistência à candidatura Serra, a crise dos mercados financeiros internacionais colocou um tremendo ponto de interrogação na sucessão presidencial brasileira - se ela se agravar, abre-se espaço para o "herói solitário" e sua bala de prata, cujos riscos são bem conhecidos.

Nesse caso, a eleição fica imprevisível. Os brasileiros se lembram muito bem da última vez em que algo parecido ocorreu: foi em 1989, na seqüência de uma série fracassada de planos econômicos. A inflação estava 1.972,91% ao ano (às vésperas do real chegou a 2.477,15%). O eleitor renegou os políticos tradicionais e apostou num jovem chamado Fernando Collor de Mello, que se propunha matar a inflação com um único tiro. Ele errou o alvo, como não se tardou a perceber, e deu no que deu.

Serra agiu com competência e objetividade eleitoral, como se apressam a reconhecer aos próprios adversários no PSDB, ao dizer que ele calculou e acertou, com muita antecedência, ao fazer a opção pela reeleição do prefeito Gilberto Kassab. Ao visitar Lula no Palácio do Planalto, três dias depois, um novo tento: deixou claro para o presidente que sua disputa, em São Paulo, é com Marta Suplicy (PT) e não com ele, Lula. Não interessa a nenhum dos dois antecipar o duelo marcado para 2010.

Lula deve passar pela campanha de Marta, no segundo turno, mais ou menos como José Serra passou pela de Geraldo Alckmin, o candidato do PSDB, no primeiro. O tucano e o petista devem gravar mensagens mais efetivas para televisão e participar de algumas atividades de rua. Nada "exagerado", como diz Serra. Além disso, Lula tem uma extensa agenda de viagens, nesse período.

Marta, por seu turno, errou na política e na estratégia, segundo a avaliação corrente no PSDB, PT e setores do governo. Politicamente, ao demorar a fechar um acordo com o cacique pemedebista Orestes Quércia, dono da fatia de televisão que permitiu a Gilberto Kassab se tornar conhecido e casar a boa avaliação de seu governo com a intenção de voto declarada do eleitor. Estrategicamente, por ter mirado o eleitor das D e E e esquecer a "nossa classe média" que surgiu na periferia dos grandes centros.

Sabe-se hoje, também, que Serra efetivamente foi o responsável por evitar um grande trauma no PSDB paulista, que saiu ferido da disputa, mas ainda em condições de se recompor, o que só o futuro dirá: era a intenção do grupo kassabista derrotar Alckmin já na convenção tucana. Serra, de volta de uma viagem ao exterior, foi quem evitou o derramamento de sangue. O governador podia ganhar na convenção - o que seria legítimo, mas pareceria uma demonstração do governo - e preferiu ganhar no voto popular, muito mais legítimo.

Por mais que tenha passado para o segundo turno com seu candidato em Belo Horizonte, Aécio Neves foi o grande perdedor da eleição, para efeitos internos do PSDB. Por mais que vença no segundo turno, fez a aposta errada no PT, que é bombardeada tanto entre petista como entre tucanos. Ainda assim ele é o candidato a vice-presidente dos sonhos, numa chapa encabeçada por Serra, do principal guru do PSDB: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que, o tempo todo, esteve ao lado de Serra na articulação pró-Kassab.

Aécio hesita porque ainda não desistiu de ser candidato, mas também porque desconfia de que uma aliança entre São Paulo e Minas Gerais possa soar "muito arrogante ao eleitor". É certo que, para a maioria dos tucanos, esta seria uma chapa imbatível - ou favorita mas não imbatível -, como acredita um desafeto de Serra, o deputado Ciro Gomes (PSB). Tanto para Ciro como para o senador Tasso Jereissatti (PSDB-CE), os tucanos talvez tivessem mais chances se Aécio fosse o candidato a presidente com o apoio de José Serra, candidato à reeleição em São Paulo.

A análise, que não se restringe aos dois políticos cearenses, parte do pressuposto que Aécio, um mineiro, terá bem mais facilidade para entrar no eleitorado do Nordeste que José Serra, político que foi estigmatizado como "anti-nordestino" pelo ex-senador Antonio Carlos Magalhães, morto ano passado. No território do governador paulista acredita-se que essa é uma imagem que o que de pior existia na oligarquia nordestina tentou tatuar em Serra, e será fácil de remover. Serra lidera as pesquisas de opinião em todo o país, inclusive em Salvador (BA).

Serra anda com duas planilha, sempre atualizadas, nas mãos. Em uma delas mostra a evolução de suas possibilidades de reeleição ao governo de São Paulo. A outra, à Presidência. No leque de opções do governador existe a possibilidade de que ele não concorra à Presidência. Ela é real, embora muito difícil. O trabalho é feito para ele subir a rampa em 1º de janeiro de 2011.

O temor dos tucanos é a atual crise nos mercados financeiros. Ela pode tanto favorecer, como jogar por terra planos tão bem arquitetados ao logo dos oito anos de mandato de Lula, justamente num momento em que o PSDB dá surpreendentes manifestações de unidade. Se a crise se instalar definitivamente deste lado americano do Atlântico, por exemplo, ninguém sabe o que vai acontecer com a atual coligação de Lula. O PMDB - partido que saiu também fortalecido das eleições - vai com Lula, se perceber que Dilma vai perder? O mais provável é que migre para Serra ou deixe um pé em cada canoa.

Num quadro de crise, cresce a eventual candidatura do deputado Ciro Gomes (PSB), que ainda não decidiu o futuro. Muito menos de sua candidatura a vice de Aécio Neves, caso este consiga ganhar a indicação do PSDB. Ciro é odiado por Serra e Fernando Henrique Cardoso, uma relação que nenhum dos três faz questão de esconder. O PT, também, não quer que o deputado seja seu candidato. Além disso, se Lula impuser o nome de Dilma ao partido, deverá buscar no Sudeste um candidato a vice - e ele próprio se encarregará de cativar votos no Nordeste. Com uma crise à porta, a única coisa certa nesta segunda-feira é que Serra hoje é o nome do PSDB.