Título: Argentina prepara pacote econômico
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2008, Internacional, p. A9

O governo argentino já tem montado um pacote de medidas para enfrentar a crise financeira internacional e quer estar aliado ao Brasil e ao Mercosul no combate aos efeitos sobre a economia local e regional. A maior preocupação é com o dólar e a inflação, e está atento ao alerta dos empresários por uma possível invasão de produtos brasileiros e asiáticos no mercado doméstico. A posição em relação ao Brasil, porém, mudou um pouco de uma semana para cá: de ameaça a parceiro vigiado.

"O Brasil é o nosso principal sócio e vamos cuidar da nossa relação, mas também vamos cuidar de nossas empresas", disse Sergio Massa, chefe de Gabinete da presidente Cristina Kirchner, ao jornal "La Nación". A imprensa local trouxe informação sobre as medidas que estão em gestação, parte relatada por Massa, parte por outra alta fonte dentro do governo que pediu anonimato. As medidas são, na verdade, um reforço do que o governo vem fazendo, com pouco mais de ênfase em alguns pontos. "As prioridades do governo estão em manter o nível de atividade e o emprego argentino", explicou Massa.

A política cambial mantém a "flutuação administrada" do dólar com um teto máximo de 3,40 pesos (na sexta fechou a 3,225, segundo o BC), contra os 3,10 a 3,15 que vinham sendo mantidos antes da crise. A autoridade monetária argentina já gastou quase US$ 1 bilhão nas últimas duas semanas para estabilizar a cotação do dólar e aliviar o temor dos argentinos que, assustados com a queda das bolsas, lotaram as casas de câmbio para comprar a moeda americana.

Cristina Kirchner tem dito aos seus interlocutores com o setor privado que espera ver um acordo para a estabilidade de preços, salários e empregos. Também determinou à sua equipe que sejam feitos todos os esforços para não estourar a meta de superávit primário para este ano, de 3,28% do PIB.

Os empresários estão preocupados com a desvalorização de mais de 30% do real contra o dólar, que torna os produtos brasileiros mais baratos que os argentinos. Cristina Kirchner partilha desta preocupação, mas não quer provocar uma alta da inflação, por isso pediu que o Banco Central controlasse a elevação do dólar. Em compensação, prometeu aos empresários pôr todas as "armas" de defesa comercial em ação para evitar a avalanche de produtos importados baratos.

A Argentina poderia usar o Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC), sistema de proteção contra a importação excessiva de produtos do Brasil, negociado em 2006 e pronto para entrar em vigor a qualquer momento. O MAC permite aos dois países aplicar salvaguardas no caso de que um surto importador prejudique a indústria local. O sistema já é aplicado, do lado argentino, no comércio de máquinas de lavar roupas, geladeiras e denin (tecido para jeans).

Por outro lado, teme-se uma queda da atividade econômica no Brasil, que poderá afetar as exportações para o principal sócio do Mercosul. Já há dois casos concretos nesse sentido. Na semana passada, Aldo Karagozian, dono de uma das maiores empresas têxtil do país, a TN& Platex, afirmou que em agosto exportou 500 toneladas de fios para o Brasil, mas em setembro os pedidos foram suspensos. "Recebemos dois caminhões de devolução e estamos sem ordens de compra para os próximos meses", queixou-se. Na sexta, a Iveco, fábrica de caminhões do grupo Fiat, suspendeu o trabalho de mil funcionários da unidade de Córdoba, em conseqüência da interrupção das vendas ao Brasil, destino de 95% da sua produção.

A Argentina dá sinais de que quer proteger sua indústria, mas evitar conflitos com o Brasil. Em reunião na Casa Rosada, quinta à noite, entre Sergio Massa, o secretário de Comércio Internacional do Ministério de Relações Exteriores, Alfredo Chiaradia e o Secretário de Indústria, Fernando Fraguio, eles teriam concluído que seria melhor encontrar políticas de complementação do que passar pela crise brigados com o Brasil.

Os efeitos da crise serão discutidos ainda em reunião do Conselho do Mercado Comum (CMC), que reúne ministros da economia e chanceleres dos países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai). A reunião foi pedida pelo chanceler Jorge Taiana e deve ser realizada no Brasil esta semana.