Título: Eles choram, mas sobra grana
Autor: Cipriani, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 01/02/2010, Política, p. 6

Os vereadores reclamaram da redução dos repasses para as câmaras, mas a realidade mostra que grande parte delas trabalha com orçamentos superestimados e acaba devolvendo dinheiro para a prefeitura. O município ganha mais obras

Ziulkoski considerou um avanço a redução dos percentuais de repasse para as câmaras. Para ele, é ¿conversa¿ quando dizem que estão devolvendo.

A preocupação dos vereadores brasileiros com a nova lei que reduziu os repasses para o Legislativo a partir deste exercício financeiro, promulgada em setembro do ano passado, passa longe de algumas câmaras municipais. Nelas, apesar da choradeira feita durante a tramitação da proposta de emenda constitucional estabelecendo os novos percentuais de recursos, sobrou dinheiro em 2009. Devolvida, a verba voltou ao orçamento das respectivas prefeituras e se transformará em obras e benefícios para a população.

Em Dourados, no Mato Grosso do Sul, os R$ 3 milhões devolvidos pela Câmara Municipal à Prefeitura em dezembro se transformarão em obras de recapeamento e compra de terrenos para construção de casas populares. No ano passado, o Legislativo recebeu R$ 1,46 milhão mensais para a administração da Casa, que tem 12 vereadores. Para este ano, a cidade de 220 mil habitantes teve o percentual de recursos reduzido de 7% para 6% da receita tributária do município. Em janeiro, a prefeitura já reduziu o repasse para R$ 960 mil.

Para o prefeito de Dourados, Ari Valdeci Artuzi (PDT), a devolução da verba não ocorreu somente por economia. ¿São poucos vereadores e, se contar os salários de cerca de R$ 7 mil, o valor é pequeno. O dinheiro repassado à Câmara é demais, se considerarmos que eles têm prédio próprio, não pagam aluguel¿, avalia Artuzi. De acordo com o prefeito, o excesso de verba da Câmara veio em boa hora. ¿Estamos dando contrapartida a recursos federais para compra de terrenos e para fazer calçadas¿, disse.

Para o presidente da Confederação Nacional de Municípios, Paulo Ziulkoski, não há mérito algum no fato de as câmaras terem devolvido recursos. ¿O dinheiro não é da câmara nem da prefeitura, é do orçamento do município. Se não foi gasto, volta pra ele. Aquilo vai se diluir no orçamento do ano seguinte e pode voltar, inclusive, para a câmara. Interpreto como conversa quando dizem que estão devolvendo¿, afirmou. Ziulkoski considerou um avanço a redução dos percentuais de repasse para as câmaras.

Obras

Em Cubatão, São Paulo, a câmara municipal teve um orçamento de R$ 34 milhões em 2009 e, no fim do ano, devolveu R$ 4,6 milhões aos cofres da cidade. A sobra foi entregue pelo presidente da Câmara, vereador Alemão (PSB), no final de dezembro. A prefeita da cidade, Márcia Rosa (PT), disse que os recursos vão se converter em políticas públicas em um ano que a receita orçamentária ficou abaixo do esperado em razão da crise econômica. ¿Cubatão é a única cidade brasileira a possuir uma siderúrgica e uma refinaria de petróleo, bases de um polo industrial que sofreu fortemente com a redução do comércio internacional em 2009, ocasionando sensível queda de arrecadação. Nesse contexto, o retorno ao erário municipal desses recursos tem importância bastante significativa.¿

Em Campos, no Rio de Janeiro, o presidente da Câmara, Nelson Nahim, devolveu R$ 1,5 milhão e ficou com mais R$ 1 milhão em caixa para pagar as obras feitas no prédio da Casa. O Legislativo, que já teve 21 vereadores, hoje tem 17. ¿A própria lei orgânica prevê que, se não foi gasto o dinheiro, temos que devolver. Embora as pessoas encarem isso como uma coisa anormal, deveriam entender como normal¿, disse.

Mesmo com a sobra, o presidente da Câmara de Campos teme a redução da receita do Legislativo que entra em vigor este ano. O percentual da receita disponível passa de 6% para 5%. ¿Nos preocupa um pouco, levando em consideração a Lei de Responsabilidade Fiscal. A folha de pessoal pode acabar estourando o limite. Estamos vendo com os procuradores do município¿, disse. Ano passado, a Câmara teve orçamento em torno de R$ 18 milhões e neste deve ser de R$ 15 milhões.

O dinheiro não é da câmara nem da prefeitura, é do orçamento do município¿

Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional de Municípios

Economia para não ¿perder a mamata¿ Eden Bahia de Camargos/Divulgação Com o dinheiro devolvido pela câmara, o prefeito Zezé Porfírio (PR) comprou um prédio para a construção do Centro Técnico de Alimentos da cidade

Em Gouvêa, na região do Vale do Jequitinhonha, o presidente da Câmara, Alfeu Augusto de Oliveira (PV), explicou com franqueza rara a economia feita pelos vereadores: ¿Sempre falo com meus pares para ter muito cuidado com o mandato. É um ótimo salário e o vereador trabalha pouco. Se perder essa mamata, não acha outro emprego como esse na cidade. A verdade tem que ser dita¿. Ele devolveu R$ 123 mil à prefeitura, sendo R$ 3,4 mil fruto de rendimento de aplicação. No envio, o Legislativo colocou como prioridade o uso desse dinheiro para pagamento do 13º salário dos servidores, principalmente para os salários mais baixos. O orçamento em 2009 foi de R$ 47,2 mil por mês.

Segundo Alfeu, chegou a haver abuso nas gestões anteriores, mas ele teria conseguido reduzir os gastos com itens como o consumo de combustível, celular e lanchonete. No primeiro, por exemplo, a cifra despendida passou de R$ 36,4 mil, em 2008, para R$ 6,2 mil em 2009. Ainda conforme relatório do presidente, as despesas com diárias passaram no mesmo período de R$ 13,4 mil para R$ 8,5mil. Na cidade de 11,6 mil habitantes a câmara tem duas reuniões mensais. Os nove vereadores recebem R$ 2 mil mensais.

Os moradores de Pará de Minas também viram dinheiro público voltar para o seu benefício. A Câmara, que recebeu R$ 306 mil mensais, devolveu R$ 2 milhões em dezembro. Com a redução do número de vereadores de 17 para 10, segundo o presidente Vilson Antônio dos Santos (PSDB), a câmara está gastando menos desde 2004. ¿Nossa câmara é bem enxuta e sempre acabamos devolvendo dinheiro¿, disse. Ano passado, porém, grande parte da devolução ocorreu porque a câmara não conseguiu licitar uma etapa da obra da nova sede. A obra pode ocorrer na nova gestão. No município de cerca de 100 mil habitantes, os parlamentares recebem R$ 4 mil de salário.

Demagogia

O prefeito Zezé Porfírio (PR) comemorou a devolução dos recursos, com os quais comprou um prédio para construção do Centro Técnico de Alimentos da cidade (Cetal). A verba da câmara pagou a entrada e o município parcelou o restante em 21 parcelas de R$ 50 mil. ¿Para todo dinheiro devolvido fazemos um planejamento e colocamos na infraestrutura cidade.¿ A sobra da câmara vai financiar, em parceria com o governo do estado, uma escola profissionalizante técnica para formar cidadãos para o primeiro emprego. Deve atender cerca de 500 pessoas por ano.

Em Curvelo, na região Central, o presidente da Câmara, Henrique Duarte Gutfraind (PT), conta que, dos R$ 200 mil recebidos mensalmente, a Casa economizou na faixa de R$ 100 mil. ¿Nos 12 meses, juntamos R$ 1,3 milhão que chegamos a devolver¿, afirmou o vereador. Em 2009 foi cortado o 13º salário dos vereadores, prefeito e vice-prefeito. ¿O resto a gente não pode fazer demagogia, porque recebemos muito mais que o necessário¿, disse Gutfraind. Com cerca de 75 mil habitantes, a cidade passa da faixa dos 8% para 7%. Mas o dinheiro poupado não irá para obras sociais. Parte será investido na recuperação do cinema da cidade. ¿Temos um antigo cinema, o Cine Virgínia, que é um dos mais bonitos de Minas, e a prefeitura tem a intenção de se apropriar desse patrimônio histórico com praticamente R$ 1 milhão. O resto pedimos para a construção de um novo prédio para a câmara¿, afirmou. (JC)

Orçamentos irreais

O extrato dos gastos nos municípios com o Poder Legislativo mostra que a redução dos percentuais limites de repasse aprovada na nova lei pouco vai influir sobre a maioria das Câmaras. A economia prevista é de R$ 2 bilhões. Estudo feito pela organização não governamental (ONG) Transparência Municipal, a pedido da Associação Brasileira das Câmaras Municipais (Abracam), mostra que, em 2007, os vereadores consumiram R$ 6,5 bilhões de um total de R$ 213,9 bilhões em receita das prefeituras, o correspondente a 3%. Caso todos os legislativos gastassem o teto, esse valor subiria para R$ 14,2 bilhões ou 6,6%.

Com os novos percentuais, o limite para gastos, simulando os mesmos valores de 2007, seria de R$ 12,1 bilhões, ou 5,6%. Ou seja, ainda abaixo do teto permitido. Outro levantamento da ONG Transparência Municipal mostra que somente 0,48% das câmaras estariam ultrapassando o limite da despesas e teriam que sofrer cortes. Chegou-se a esse percentual depois de muita pressão dos vereadores, já que a proposta original incidiria sobre 35% das casas legislativas.

Para o gestor do Observatório de Informações Municipais da ONG, François Breamaeker, fica claro que a maioria das câmaras gastaram abaixo do que poderiam. ¿Isso ocorre porque muitas vezes elas fazem um orçamento em função do limite a que tem direito por um aspecto preventivo, mas gastam bem abaixo. Por isso ocorre a devolução¿, disse. Para ele, a luta dos vereadores se deu mais no sentido de aumentar o número de cadeiras ¿ o que ocorreu no mesmo projeto ¿ por terem sofrido uma redução determinada pela Justiça Eleitoral. ¿Principalmente nos municípios intermediários, ficou uma representação achatada. Foi neste sentido a luta dos vereadores.¿

Em 2009, Breamaeker afirma que o fato de os orçamentos terem ficado abaixo do previsto na maior parte dos casos, em função da crise, contribuiu para a devolução. Os recursos destinados às câmaras são definidos com base em percentuais da receita tributária dos municípios apurados no ano anterior.

O presidente da Abracam, Rogério Rodrigues, admite que as sobras ocorreram em função de orçamentos superestimados. De acordo com ele, cerca de 30% das casas legislativas acabam devolvendo recursos ao fim do ano. ¿São geralmente as cidades mais ricas que acabam fazendo o orçamento acima das suas necessidades. Ocorre que os limites da constituição são o máximo a ser gasto. Não quer dizer que eles têm que ser aplicados¿, disse. Segundo o presidente, apesar de tantas devoluções, ainda há câmaras brasileiras em dificuldade. ¿As câmaras pequenas sempre estão no teto dos percentuais e estão recebendo valores na faixa de R$30 mil a R$ 40 mil ao mês, o que mal dá para o seu funcionamento¿.

A Abracam orienta os presidentes das câmaras a serem mais realistas para não tirar dinheiro desnecessariamente do orçamento dos municípios. (JC)