Título: Diante da crise, consumidor paga à vista ou gasta menos
Autor: Madureira, Daniele; Cunha, Lílian
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2008, Empresas, p. B4

A crise que está deixando o mercado financeiro mundial em pânico já acendeu o sinal amarelo no ritmo de compras do brasileiro. Pesquisa do instituto Qualibest, feita com exclusividade para o Valor para identificar o potencial de consumo nos próximos meses, apontou que as pessoas continuam animadas com a perspectiva das compras natalinas, mas 55% já mudaram alguma atitude em relação ao consumo depois que a turbulência estourou no mês passado. Nesse sentido, estão pagando mais à vista, gastando menos ou até mesmo evitando cartões de crédito. Muitos estão colocando dinheiro na poupança. Na hora de preencher o carrinho de compras, os itens de limpeza doméstica preferidos são aqueles mais baratos ou em promoção.

O levantamento foi realizado pela internet com 819 pessoas das principais capitais do país e do interior de São Paulo, entre 30 de setembro e 7 de outubro. Dos entrevistados, 52% são homens e 48% mulheres, das classes A (13%), B (50%) e C (37%). A faixa dos 25 aos 35 anos concentra 38% dos consumidores consultados. Outros 29% têm entre 18 e 24 anos, 8% estão na faixa dos 36 aos 40 e 25% têm mais de 40.

"Metade dos consumidores pretende fazer compras neste Natal com a mesma intensidade do ano anterior ou até maior, mas um quarto deles (26%) ainda não decidiu como será o seu ritmo de compras, o que indica certo clima de expectativa no ar", diz Ana Bela Antunes, analista do Qualibest.

Segundo o professor Cláudio Felisoni, coordenador do Programa de Administração de Varejo da Fundação Instituto de Administração (Provar-FIA), a apreensão com o cenário atual só não é maior porque as pessoas estão entusiasmadas com a injeção de dinheiro proporcionada pelo 13º salário. "Este Natal ainda não será contaminado pelos efeitos da crise", diz Felisoni. Segundo o coordenador, o tempo natural para que o consumidor assimile no bolso a alta dos juros da economia, por exemplo, varia de seis meses a um ano. "Mas esse espaço é acelerado em tempos de crise, o que significa que o início de 2009 promete retração real no consumo", afirma Felisoni, que divulga nesta terça-feira uma pesquisa do Provar-FIA confirmando essas tendências.

No grupo de consumidores que mudou alguma atitude em relação às compras, 44% disseram ter colocado dinheiro na poupança. A Caixa Econômica Federal (CEF) já sentiu esse movimento. O banco aumentou em 11,6% a captação da poupança em setembro, em relação ao mesmo mês de 2007, atingindo R$ 1,14 bilhão no mês. Só nos primeiros sete dias de outubro foram registrados R$ 540 milhões de captação líquida positiva. Em setembro, foram abertas 315 mil novas contas de poupança, superior à média de 300 mil ao mês, de acordo com a CEF.

Parte das economias, no entanto, deve ser gasta nos próximos seis meses. A maioria dos entrevistados (54%) pela Qualibest pretende adquirir eletrodomésticos ou eletroeletrônicos nesse período. A compra do carro é a segunda no ranking de intenções (30%), seguida por móveis (24%) e imóveis (20%). Apenas 13% dos entrevistados disseram que não pretendem comprar nenhum bem nos próximos seis meses.

A aquisição de eletroeletrônicos e eletrodomésticos pode até acontecer, mas o gasto será maior. Como a maioria dos produtos é montada na Zona Franca de Manaus com componentes importados da Ásia, o dólar tende a fazer os preços subirem, de acordo com a LG.

Nos supermercados, há uma "tensa calmaria", segundo Maria Eugênia Saldanha, diretora-executiva da Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Limpeza e Afins (Abipla). "A indústria de produtos de limpeza não sentiu queda nas vendas nem troca de marcas líderes por mais baratas, mas é claro que o consumidor está mais reticente", diz. "Há uma apreensão por conta da crise que pode, sim, resultar em um comportamento de vendas diferente", acrescenta.

Os fabricantes, porém, não estão tão preocupados. Em crises econômicas ocorridas no passado, o consumo migrou para produtos piratas e de empresas informais, diz ela. Agora a situação mudou. "Conseguimos denunciar muitas dessas empresas e, se o consumidor migrar para produtos de menor preço, ainda assim serão fabricados pela indústria formal, o que proporciona uma compensação", afirma.

Pelo relato dos varejistas, a Associação Paulista de Supermercados (Apas) não registrou mudanças significativas de atitude do consumidor até agora. Mas Martinho Paiva Moreira, vice-presidente da Apas e diretor da rede paulista D"Avó, afirma que os consumidores de maior renda estão um pouco reticentes em comprar importados. "De qualquer forma, a meta do setor, de crescer 4,2% no Natal deste ano, permanece", diz Moreira. O alvo, no entanto, é inferior ao aumento de 5,9% do Natal de 2007. A desaceleração já estava prevista antes da confusão em Wall Street, diz ele. "A alta no preço dos alimentos é a maior responsável pelo crescimento mais modesto", diz. Na receita dos supermercados, 40% vêm de alimentos (itens de mercearia) e 30% de perecíveis.

As vendas deste fim de ano devem ser ajudadas, ainda, pelo 13º dos trabalhadores que ocupam as mais de 2 milhões de vagas formais criadas nos últimos 12 meses, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). É nisso que aposta a Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio). "Apesar da gravidade da crise financeira mundial, a situação do varejo em 2008 não sofrerá impactos mais profundos até o Natal, devido a fatores como o aumento da massa salarial que compensa", disse Abram Szajman, presidente da entidade, em comunicado.