Título: O fantasma volta
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 01/02/2010, Economia, p. 10

Débitos do país lá fora voltam a crescer com forte contribuição do setor público. Emissões de títulos do governo e da Petrobras fazem nível superar o de 2005

É preciso que o aumento do endividamento externo se dê de forma equilibrada, consciente, para que não surjam problemas mais à frente¿ Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor da Área Externa do BC

Longe dos debates nos últimos anos, a dívida externa do Brasil voltou ao radar de analistas e investidores. E retornou pelas mãos do governo, que tanto propagandeou o fato de o país ter se tornado credor internacional, ao acumular mais reservas em dólar do que o total dos débitos lá fora. Pelas contas do Banco Central, enquanto o endividamento externo global do país avançou, no ano passado, de US$ 4,1 bilhões para US$ 202,5 bilhões, o saldo devedor pertencente ao setor público disparou mais do que o dobro, exatos US$ 9,8 bilhões, passando de US$ 67,3 bilhões para US$ 77,1 bilhões ¿ o patamar mais elevado desde 2005.

À primeira vista, o aumento da dívida externa pública não assusta. ¿Para um país que não tem poupança interna suficiente para crescer, como é o caso do Brasil, é normal buscar financiamentos no exterior¿, diz o economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor da Área Externa do BC. ¿Mas é preciso que o aumento do endividamento externo se dê de forma equilibrada, consciente, para que não surjam problemas mais à frente¿, ressalva. Foi justamente o excesso de dívida externa nos anos 1970 e 1980 que levou o Brasil a consecutivas crises cambiais e a decretar calotes que custaram caro à sua imagem.

Captações

Do crescimento de US$ 9,8 bilhões nos débitos do setor público, quase a metade foi obra do Tesouro Nacional, que, ao longo de 2009, fez cinco emissões de títulos nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia, captando US$ 4,1 bilhões. O restante das dívidas foi feito por empresas estatais, sobretudo a Petrobras, para tocar seu bilionário projeto de investimentos. ¿São operações de longo prazo e a um custo bem menor do que o cobrado no país¿, explica o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes.

Para ele, o mais importante, quando se olha o endividamento externo, é a parcela de curto prazo, mais vulnerável aos humores do mercado. E essa caiu no ano passado, de US$ 36,4 bilhões para US$ 30,5 bilhões. Ou seja, a dívida do governo aumentou, mas melhorou muito o seu perfil, combinando vencimentos mais longos e custos menores. Outro dado importante: as empresas privadas, por causa da crise mundial, que reduziu a oferta de recursos, botaram o pé no freio no endividamento. Ampliaram o saldo devedor em apenas US$ 249 milhões contra uma elevação de US$ 10,5 bilhões entre 2007 e 2008.

Na avaliação da economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif, não há nada a comemorar em relação ao aumento da dívida externa do setor público. ¿Isso tem a ver com um Estado inchado, que gasta mal e não tem poupança suficiente para tocar obras importantes, como as de infraestrutura¿, afirma. Ela ressalta que, nos últimos anos, quando o país ainda estava solidificando o terreno para galgar taxas de crescimento econômico maiores do que as verificadas nas últimas três décadas, não foi preciso o governo recorrer ao mercado externo para bancar a expansão do país. ¿Agora, porém, estamos vendo altas do PIB (Produto Interno Bruto) entre 4% e 5% ao ano. Mas, para que esse desempenho se mantenha, será necessário ampliar os investimentos. E, como o país não dispõe de recursos suficientes, terá que buscar lá fora, mesmo que por meio de dívidas¿, complementa.

Cautela

O que mantém o ar de tranquilidade entre os analistas e os investidores que vasculham o endividamento externo é o fato de o Brasil ser credor internacional em dólar em US$ 61 bilhões. ¿Felizmente, aproveitou-se a onda de crescimento do mundo e de capitais fartos antes do estouro da crise mundial (em setembro de 2008) para se constituir reservas internacionais que hoje passam dos US$ 240 bilhões¿ diz Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos. Tal tranquilidade, no entanto, não impede os economistas de olharem com certa cautela os denominados indicadores de solvência externa no país, que, até o ano passado, vinham mostrando desempenhos excelentes e foram fundamentais para que o Brasil recebesse o grau de investimento das três principais agências de classificação de risco do mundo ¿ Standard & Poor¿s, Fitch e Moody¿s.

Em 2008, por exemplo, os gastos com a dívida (amortizações e juros) representavam 16,5% das exportações. Em dezembro passado, essa relação passou para 24,2%. Quer dizer, precisou-se de uma parcela maior das exportações para honrar os ¿serviços¿ da dívida externa. E mais: a dívida total do setor público, que em 2008 representava 42,4% da dívida externa total, passou a equivaler a 47,6%, isto é, quase à metade do endividamento. ¿Realmente, houve uma piora desses indicadores. Mas com a forte retomada da economia neste ano, veremos uma melhora boa nesses números nos próximos meses¿, garante Altamir Lopes, do BC.

Dúvida no custo das reservas

Que as reservas internacionais do país foram fundamentais para que o Brasil atravessasse o pior da crise mundial de pé, ninguém tem dúvidas. Mas há uma certa decepção com a rentabilidade que a montanha de dinheiro acumulada pelo Banco Central ¿ mais de US$ 240 bilhões ¿ vem registrando. Em 2009, os ganhos totalizaram US$ 4,7 bilhões, resultado 34% inferior ao contabilizado em 2008 (US$ 7,2 bilhões) e o correspondente à metade do que o país pagou de juros, no mesmo período, pela sua dívida externa (US$ 9,1 bilhões). ¿A queda na remuneração das reservas decorreu dos juros menores pagos no mundo, como forma de estimular a economia global¿, explica o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes.

O grosso das reservas está aplicado em títulos públicos dos Estados Unidos, com taxa próxima de zero. Mas como não há perspectivas de mudança rápida nos juros americanos ao longo deste ano, a tendência é aumentar os questionamentos sobre a necessidade de o Brasil continuar ampliando as reservas internacionais. A discussão deverá ganhar corpo, devido às perspectivas de elevação da taxa básica (Selic) no Brasil, aumentando o diferencial entre os ganhos do país com o ¿colchão anticrise¿ e o que o BC paga de juros para retirar do mercado os reais usados para a compra de dólares.

Estudo

Em dezembro do ano passado, o economista Darwin Dib, do Banco Itaú Unibanco, fez um estudo para calcular o custo de se manter as reservas internacionais e chegou a um número espantoso: R$ 25 bilhões nos 12 meses terminados em outubro. ¿Esse custo tem que ser contrabalançado com o benefício de proteger o país a choques externos, diante do que aconteceu há um ano¿, afirma. Mas ele pergunta: ¿Qual é o limite para a acumulação de reservas, dado o seu custo de carregamento?¿. Dentro do BC, oficialmente, optou-se pelo silêncio. Mas, em debates internos, a cúpula da instituição não esconde a irritação. Para o economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor da Área Externa do BC, não há o que discutir sobre a importância das reservas. Porém, a seu ver, deve-se evitar os exageros, devido ao custo fiscal para o país. ¿Portanto, daqui por diante, o governo terá que medir até onde pode ir com as reservas, sobretudo porque não terá mais vida fácil para fazer o ajuste fiscal¿, avisa. (VN)