Título: Perdas de empresas com derivativos geram temor sobre saúde de bancos
Autor: Brandimarte, Vera; Balarin, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2008, Finanças, p. C2

Uma onda de rumores sobre a saúde financeira do Banco Votorantim e sobre sua possível venda a outros bancos brasileiros levou a instituição financeira a emitir comunicado na sexta-feira, informando que o banco não teve participação nas operações de swap que geraram perdas de R$ 2,2 bilhões ao grupo Votorantim. O Banco Safra também pretendia anunciar em comunicado que a instituição financeira não tem qualquer relação societária com a Aracruz, que informou recentemente perdas de R$ 1,95 bilhão com derivativos de câmbio. Joseph Safra, controlador do banco, e seu irmão Moise fazem parte do grupo de controle da Aracruz. Até a noite de sexta-feira, a intenção de soltar o comunicado não havia sido concretizada.

"Há pelo menos dez anos, mais de 20 instituições têm nos abordado, interessadas em adquirir o banco", afirma o presidente do Banco Votorantim, José Ermírio de Moraes Neto. No entanto, ele desqualifica os rumores de que nesse momento o banco estaria sendo alvo de uma abordagem dos dois maiores bancos privados do país, Itaú e Bradesco. Não há, garante ele, nenhum interesse do Grupo Votorantim em se desfazer de seu braço financeiro, que tem sido uma operação de sucesso.

Nesse momento, "nossa preocupação tem sido ajudar nossos clientes nesta situação de crédito restrito". O aperto de liquidez forçou o banco a reduzir as linhas para seus clientes. "Temos procurado fazer isso mantendo nossa solidez. O banco é conservador no provisionamento para suas operações de crédito e nós elevamos agora o provisionamento para ser ainda mais conservador, para enfrentar qualquer surpresa", afirma Moraes Neto, referindo-se ao ambiente de preocupação em relação à solvência das empresas neste cenário de restrição do crédito.

Ele ressalta que o banco não tem nenhuma operação de derivativos indexados ao dólar com seus clientes e não participou da operação com instrumentos de verificação de dólar que levou o Grupo Votorantim a comunicar ao mercado a perda de R$ 2,2 bilhões.

Questionado se o grupo realmente teria liquidado todas as posições nesse tipo de operação, Moraes Neto reforçou os termos da declaração ao mercado, observando que boa parte desse nervosismo dos últimos dias se deve à falta de informações sobre a situação de solvência das companhias. "Por isso mesmo que o grupo, embora não seja de capital aberto, optou por tornar pública sua situação, porque a transparência é essencial para desfazer qualquer dúvida ou mal-entendido."

O rumor que circulava no mercado era de que as perdas do Grupo Votorantim não se esgotavam nos R$ 2,2 bilhões. O mercado apostava que, para liquidar todos os contratos com derivativos, a perda chegaria a R$ 4 bilhões. O boato era de que o banco seria vendido para evitar a sangria excessiva de caixa - hipótese já refutada pelos Ermírio de Moraes. O Bradesco negou qualquer negociação com o Votorantim.

Um executivo do setor financeiro diz que os bancos Votorantim e Safra padecem do mesmo problema: o mercado tem confundido as perdas com derivativos das empresas Votorantim e Aracruz com a saúde financeira dos bancos. E que isso estaria levando a uma paralisia nos negócios com essas instituições.

No Banco Safra, segundo o Valor apurou, um comunicado estava em elaboração na sexta-feira informando que as participações dos irmãos Joseph e Moise na Arainvest, um dos três grupos controladores da Aracruz, estão em nome das pessoas físicas e não se misturam aos negócios do banco. Cada um dos irmãos Safra têm cerca de 7% do capital total da Aracruz.

Além de estar chateado com o fato de o Banco Safra estar envolvido em rumores sobre perdas com derivativos, Joseph também não gostou da suspensão temporária da operação de compra pela Votorantim Celulose e Papel (VCP) das ações detidas pela Arapar na Aracruz Celulose. Os Safra, a VCP e a Arapar (grupo de investidores liderados pela família Lorentzen) controlam a Aracruz. Em acordo divulgado no segundo semestre, a VCP compraria as ações da Arapar e, após reorganização societária, Votorantim e irmãos Safra passariam a controlar a empresa que surgiria da fusão entre a VCP e a Aracruz. Na operação, a VCP desembolsaria R$ 2,7 bilhões e receberia um pagamento de R$ 530 milhões dos Safra (desembolso líquido de R$ 2,17 bilhões).

O Valor apurou que, após o anúncio das perdas da Aracruz, o Grupo Votorantim chegou a cogitar o uso de uma cláusula do acordo, a de Material Adversity Change (MAC), para cancelar o negócio. Isso o isentaria de pagar a multa prevista para o cancelamento da operação, de R$ 1 bilhão. A opção foi rechaçada e, nas conversas, alguns dos controladores da Aracruz ressaltaram aos executivos do Votorantim que o grupo dos Ermírio de Moraes faz parte do conselho da Aracruz e tinha conhecimento de que a empresa utilizava instrumentos derivativos.

Além das três grandes empresas que já anunciaram perdas, há um grande número de companhias menores com fortes prejuízos com o câmbio. Muitas não são nem mesmo exportadoras. A elas eram oferecidos produtos como o swap com verificação cambial (o mesmo utilizado pela Votorantim). Para uma empresa do interior de São Paulo, dois bancos brasileiros apresentaram em abril suas propostas para um empréstimo de R$ 6 milhões. Um deles cobraria 120% da variação do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), mas, se a companhia topasse fazer o swap com verificação, o custo cairia para 75% do CDI mais a variação cambial em datas preestabelecidas. O próprio banco colocou em uma planilha o chamado câmbio de verificação ou limitador. Em 02 de outubro, o dólar de verificação era de R$ 1,84. A cotação da moeda americana naquele dia foi de R$ 2,008 - uma diferença de 9,13%.

Apenas em outubro, portanto, a companhia pagaria R$ 547,8 mil referentes à variação cambial, mais os 75% do CDI. O problema é que o dólar de verificação também vale para os meses seguintes, até o vencimento do empréstimo. E a cada mês a companhia tem de pagar a diferença entre o câmbio expresso na tabela e o câmbio real. Na planilha apresentada à companhia do interior de São Paulo, o dólar de verificação de 30 de abril de 2009, o mais alto de toda a série de 12 meses, seria de R$ 1,91.

"Em um primeiro momento, as empresas terão de contabilizar todas as perdas futuras, com impacto contábil. Depois, virá o efeito caixa. Daí, a expectativa é de que haja uma forte onda de inadimplência nos bancos", explicou um executivo do setor financeiro. Segundo ele, esses mesmos contratos de derivativos cambiais geraram fortes perdas às empresas em países como Índia e México. Na Índia, onde o prejuízo com derivativos de câmbio foi comparado ao efeito "subprime" dos EUA, empresas como a Rajshree Sugars, Garg Acrylite, Nahar Industrial Enterprises, Sabare International and Sundaram Multi Pap processaram bancos como o ICICI, Kotak Mahindra e Axis. No Brasil, a indicação é de que processos estão a caminho.