Título: Aperto do crédito provoca forte retração das captações externas
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2008, Finanças, p. C6

O aperto de crédito chegou com tudo ao Brasil no terceiro trimestre do ano. As captações externas em julho, agosto e setembro de empresas e bancos brasileiros foram a US$ 3,15 bilhões, o menor valor desde o quarto trimestre de 2002, quando apenas US$ 1,8 bilhão foi obtido em meio à crise eleitoral. Os números são do Valor Data e consideram os empréstimos sindicalizados (com a participação de mais de um banco) e os todos os tipos de títulos de renda fixa.

Na comparação com o segundo trimestre de 2008, a queda foi de 55%, e com o terceiro trimestre do ano anterior, de 39%. No acumulado do ano, as captações externas somaram US$ 15,35 bilhões nos três primeiros trimestres deste ano, uma queda também de 39% na comparação com o mesmo período do ano passado. A soma dos três primeiros trimestres está também no menor nível desde 2002, quando o volume de recursos captado no exterior chegou a US$ 13 bilhões.

As perspectivas para o último trimestre de 2008 não são nada animadoras. O aperto de crédito se generalizou e atingiu as empresas de todo o mundo, inclusive as dos países ricos. "Todas as transações novas de crédito estão paradas por causa da dificuldade de definição de preços dos ativos", diz Paulo César Souza, diretor comercial do Société Générale. Segundo ele, a expectativa é de uma retomada no mercado de crédito aconteça provavelmente só no início de 2009.

"Não vejo perspectiva de melhoria pelo menos nos próximos 80 dias", diz Carlos Fadigas, vice-presidente de finanças e relações com investidores da Braskem, que acaba de fechar um empréstimo sindicalizado (com a participação de vários bancos) de total de US$ 725 milhões, dos quais US$ 175 milhões foram levantados depois do dia 15 de setembro, quando a concordata da Lehman Brothers aprofundou a crise de confiança internacional e congelou o mercado de crédito em dólar, inclusive para o Brasil. O prêmio de risco da transação, acertado antes, não foi alterado: se manteve em 1,75% ao ano sobre a Libor, a taxa interbancária de Londres, pelo pré-pagamento à exportação com prazo de vencimento em cinco anos, com três de carência.

Ainda em setembro, a Usiminas conseguiu US$ 550 milhões, mas em um empréstimo com garantia do Banco do Japão para Cooperação Internacional (JBIC, na sigla em inglês). O JBIC concederá metade do empréstimo, sendo que a outra metade ficará por conta de Mizuho, Banco de Tóquio Mitsubishi e Sumitomo Mitsui. A japonesa Nippon Steel possui mais de 20% da Usiminas. Com o empréstimo, a Usiminas investirá em tecnologia de folhas de aço laminado a quente na usina da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), em São Paulo.

Outro dos últimos empréstimos fechados, cuja montagem também havia se iniciado antes da concordata da Lehman, foi para o consórcio vencedor da licitação para a construção da linha 4 do Metrô. São US$ 310 milhões em um empréstimo sob o guarda-chuva do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID): US$ 240 milhões de um grupo de bancos, liderado pelo ABN AMRO Real, com prazo de dez anos, mais outros US$ 70 milhões diretos do BID com prazo de vencimento em 12 anos. O BID entra como credor oficial de todos os US$ 310 milhões, no entanto, reduzindo o risco para os bancos participantes, pois é credor preferencial, o primeiro a receber em caso de moratória.

Se o mercado de empréstimos sindicalizados só fechou agora no mês passado, empresas e bancos brasileiros não conseguem emitir eurobônus no exterior desde o final de julho ou início de agosto. Os últimos a lançar esses papéis foram os bancos de porte médio, que vinham emitindo títulos de vencimento em três anos para a compra de investidores pessoas físicas. Ainda em julho o Sofisa lançou US$ 125 milhões com cupom (juro nominal) de 7,25% ao ano e o Daycoval obteve US$ 100 milhões com rendimento de 7,375% ao ano. Já o Paraná Banco conseguiu captar um total de US$ 35 milhões com rendimento de 7,875% ao ano.

"O bônus do Paraná foi o último respiro", diz Carlos Gribel, sócio-diretor da Queluz Securities, que liderou a operação do banco. Em setembro, após as férias de verão no Hemisfério Norte, a Oi tentou lançar eurobônus de valor de US$ 1,5 bilhão, mas cancelou a operação. No mês passado, antes da concordata da Lehman, alguns bancos de grande porte - o Santander e o Banco do Brasil -, até conseguiram fazer colocações privadas de títulos lastreados em ordens de pagamento de seus clientes no exterior ao Brasil. Depois, até mesmo esse tipo de captação secou.

Segundo Gribel, teremos um período de "grande instabilidade" até o final do ano, o que torna muito difícil a emissão de papéis no mercado primário. Ele vê, no entanto, uma retomada no mercado secundário de títulos de renda fixa de empresas brasileiras. "Já estamos percebendo mais movimento de investidores em busca do risco menor da renda fixa e dos rendimentos atraentes de papéis de empresas brasileiras de primeira linha", afirma.

Para uma retomada ainda que tímida no mercado, inclusive no de crédito, no entanto, será necessário antes que os próprios bancos passem a emprestar uns aos outros. Quando isso acontecer, a Libor, a taxa cobrada nos empréstimos entre bancos de Londres, vai ceder. Por enquanto, a Libor vem batendo recorde acima de recorde, principalmente a Libor de curto prazo - overnight a três meses. A puxada na Libor, que indexa a maior parte dos empréstimos na economia internacional, torna o crédito externo ainda mais caro em um momento que os prêmios de risco dos bancos e empresas também estão em alta significativa.