Título: Previdência em marcha lenta
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Fonte: Valor Econômico, 14/10/2008, Investimentos, p. D1

A crise financeira e os esforços dos bancos para captar recursos em CDBs já trazem reflexos no crescimento da previdência, com uma interrupção no ritmo de expansão do setor e valores menores de aplicações. Segundo dados do site financeiro Fortuna, o ingresso de recursos em planos PGBL e VGBL soma R$ 7,532 bilhões entre janeiro e setembro deste ano. Isso representa um crescimento zero ante o mesmo período de 2007, quando R$ 7,547 bilhões entraram nessas carteiras de previdência. Os números mostram ainda que, no mês passado, quando a turbulência tomou proporções muito maiores, o setor apresentou captação de R$ 598 milhões, valor 22,4% inferior aos R$ 771 milhões de setembro de 2007.

A queda no ritmo de captação da previdência coincide com o maior empenho da força de venda dos bancos em oferecer CDBs aos clientes nos últimos meses. Apesar de os planos voltados para a aposentadoria serem de longo prazo e, portanto, diferentes dos CDBs, com até cinco anos no máximo, muitas vezes o investidor acaba seduzido pela rentabilidade de curto prazo, destinando ao menos parte dos recursos novos para o papel. Só no mês passado, os CDBs tiveram captação de R$ 26,3 bilhões. No ano, até setembro, o ingresso de recursos soma R$ 208,6 bilhões.

Mas foi realmente a crise a principal causadora dessa marcha lenta na previdência aberta. Diante de uma crise cujas proporções ainda são desconhecidas, o investidor pode ter ponderado mais na hora de aplicar para o longo prazo, diz Renato Russo, vice-presidente da SulAmérica Seguros e Previdência. A boa notícia é que não se vê um movimento de resgates, como é de se esperar num investimento voltado para a aposentadoria, diz. Apesar de a captação nos nove primeiros meses de 2008 representar uma interrupção da trajetória de crescimento dos últimos anos, o desempenho do mercado de fundos de previdência pode ser considerado altamente positivo, tendo em vista a grave crise financeira dos últimos meses, avalia o relatório do Fortuna.

Mas a crise internacional trouxe uma dor de cabeça extra para algumas instituições estrangeiras ou com parceiros externos, que sofreram com a preocupação dos clientes. Um dos casos foi o da Unibanco AIG que, apesar de ser uma empresa brasileira - o Unibanco tem 52% da companhia -, teve de se mobilizar para explicar aos clientes que não haveria problemas com o fato de a seguradora americana ter sido salva da falência pelo socorro bilionário do Federal Reserve (Fed, o banco central americano).

"No começo, todo mundo ficou apavorado, mas agimos rapidamente para mostrar que nós não tínhamos nada a ver com a operação da AIG lá fora", diz José Castro Rudge, presidente da Unibanco AIG. Além disso, a instituição mostrou que o dinheiro dos clientes estava aplicado em ativos de qualidade, fiscalizados pelo governo. Segundo ele, a captação da empresa de previdência não foi afetada pelo episódio, apesar de os dados do Fortuna indicarem uma saída de R$ 40 milhões dos fundos PGBL e VGBL da instituição em setembro. "Nossos números indicam uma captação de R$ 174 milhões e um resgate de R$ 73,8 milhões", diz Rudge. Mesmo considerando os números do Fortuna, que não levam em conta os planos antigos de previdência, o resgate em setembro é pequeno em relação ao patrimônio de R$ 7 bilhões e à captação acumulada, de R$ 580 milhões no ano em PGBLs e VGBLs.

A previdência normalmente sofre menos em momentos complicados como o recente por contar com débito em conta corrente ou mesmo com desconto em folha de pagamento, lembra Luís Martinez, gerente de produtos de previdência da Icatu Hartford. "Mas após setembro, os investidores ficaram mais avessos ao risco e há uma preocupação maior com as aplicações com renda variável", diz.

O mês de setembro foi muito conturbado, assim como este início de outubro, e isso acaba se refletindo nas captações, avalia Marco Antonio Rossi, vice-presidente da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi) e também diretor-presidente da Bradesco Vida e Previdência. "Mas a captação continua existindo, apesar do momento de instabilidade", afirma. "Quando a oscilação no mercado financeiro se reduzir, o ritmo deve se normalizar", diz ele, que trabalha com um crescimento de 20% na captação este ano. "Em períodos de turbulência, a pessoa pode demorar para tomar uma decisão de investimento, mas no caso da previdência ela sabe que precisa poupar para o futuro." Tradicionalmente, os dois últimos meses do ano são muito bons para o setor de previdência privada.

Em termos de desempenho, as carteiras de ações tiveram perdas médias de 9,52% em setembro, abaixo da desvalorização de 11,03% do Ibovespa no mesmo período, segundo o Fortuna. Nos nove primeiros meses do ano, a queda era de 20,74% para uma queda de 22,45% do índice. Vale lembrar que por lei os planos de previdência podem aplicar no máximo 49% do patrimônio em ações.

Apesar do retorno pouco atrativo, as carteiras com ações seguiram captando, com aportes de R$ 396 milhões no mês passado. "Os clientes que optam por investir em planos com ações fazem o investimento de forma consciente", afirma Russo, da SulAmérica.

O relatório do Fortuna mostra ainda que as carteiras classificadas como multimercado perderam 3,40% no mês passado, ficando abaixo da variação do CDI, de 1,10% no período. Os fundos DI e renda fixa apresentaram retorno médio de 0,96% no mês. Apesar da alta do dólar, os fundos cambiais tiveram ganhos médios de 10,33% no mês, mas ficaram abaixo da valorização de 16,45% do dólar comercial e de 17,13% da Ptax. Já os fundos balanceados perderam 2,30% no mês, influenciados pelo desempenho da bolsa.

Em termo de captação, os fundos de renda fixa tiveram ingresso de R$ 372 milhões em setembro. Já os balanceados captaram R$ 158 milhões e os multimercados, ingresso de R$ 90 milhões. Os DIs tiveram entradas de R$ 80 milhões.