Título: América Latina e a tempestade
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Fonte: Valor Econômico, 14/10/2008, Opinião, p. A11

Em 18 de setembro, o presidente brasileiro Luiz Inácio da Silva declarou seu país em grande medida blindado contra os problemas nos mercados financeiros dos EUA. "A imprensa fica me perguntando sobre a crise americana", disse Lula a repórteres. "Eu respondo, "perguntem ao Bush". Essa crise é dele, não minha".

Poucos dias depois, Lula estava recuando dessa posição, e em 29 de setembro admitiu que o Brasil estava algo exposto aos acontecimentos nos EUA. "É importante que o povo brasileiro saiba que uma crise recessiva num país tão importante quanto os EUA poderá desencadear problemas em todos os países do planeta", disse ele em seu programa semanal de rádio.

Com isso, Lula minimizou enormemente a situação. A moeda brasileira, o real, sofreu uma desvalorização de 40% nas últimas quatro semanas e o índice Bovespa também deu um mergulho.

O Brasil não está sozinho. Um tsunami de vendas proveniente do pânico nos EUA e na Europa varreu moedas e ações latino-americanas. O peso mexicano caiu mais de 20% contra o dólar desde agosto, e na sexta-feira a bolsa mexicana fechou no patamar mais baixo em dois anos. Peru, Colômbia e Chile também estão sofrendo impactos.

Em vista da magnitude das quedas, alguns observadores podem surpreender-se ao saber que os sistemas bancários desses países não estão infectados com a "gripe aviária" financeira que se alastrou pelos países do G-7. Na realidade, os investidores estão levando seu dinheiro para fora do Brasil, México, Chile, Peru e Colômbia, numa fuga para ativos de qualidade. Eles também estão em fuga devido ao aperto de crédito, devido ao fim do boom de commodities e a um desaquecimento do crescimento nos países ricos que reduzirá a demanda pela produção da região. O crescimento deverá diminuir na maior parte da América Latina.

Ainda pior é o abalo resultante na arena de idéias. Os países da região mais propensos a promover reformas estão agora sendo atacados por socialistas que afirmam que o colapso é razão para abandonar a economia de mercado. Exatamente o oposto é verdadeiro.

Graças às reformas nas últimas duas décadas, as economias mais abertas na América Latina estão em condição muito melhor hoje do que na década de 80, quando Paul Volcker, então presidente do Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA), promoveu um aperto de crédito para atacar a inflação. Não se deveria permitir que essas economias retrocedessem. Ao contrário, este é o momento para que as autoridades governamentais acelerem a liberalização, visando maior flexibilidade econômica.

Como assinalou corretamente Lula, "todos os países do planeta" hoje têm problemas em conseqüência das falhas na atuação de governos nos EUA e Europa. A política monetária frouxa do Fed, a partir de 2001, e as políticas governamentais voltadas agressivamente para fazer crescer o número de proprietários de moradias nos EUA criaram uma bolha de ativos nos países do G-7.

Essa bolha estourou, e a explosão espalhou ativos debilitados por todo o sistema financeiro europeu e americano, como estilhaços. Os bancos precisam ser recapitalizados e a "ajuda" governamental poderá agravar a situação. As medidas no plano de ajuda organizado pelo secretário do Tesouro, Hank Paulson, parecem ter reduzido a confiança do mercado em que uma solução esteja próxima.

Não há muito que a América Latina possa fazer quanto ao vácuo de liderança nos EUA ou na Europa. Mas os latino-americanos podem ancorar sua própria embarcação com sensatez. As economias latino-americanas realistas - evidentemente, não estamos nos referindo a Argentina, Venezuela, Equador, Nicarágua, Honduras ou Bolívia - passaram as últimas duas décadas preparando-se exatamente para um momento como o que vivemos hoje.

Os reformadores de mercado na região iniciaram seu trabalho na década de 1980 (o Chile começou mais cedo). Seus esforços puseram fim a políticas estatais perdulárias e à inflação desenfreada. Hoje, as reservas em dólar são substanciais, a dívida externa líquida é baixa ou inexistente e os bancos estão saudáveis. Empresas estatais foram vendidas e o comércio é mais aberto do que nos últimos 80 anos.

Todos esses fatores - mudanças às quais resistiu a esquerda latino-americana - agora constituem a base das economias mais promissoras da região. Mas isso não é suficiente.

Uma das razões pelas quais o capital foge dos mercados emergentes em momentos de crise é porque está em busca do porto mais seguro em meio à tempestade. Os bancos centrais latino-americanos vêm usando suas reservas para dar sustentação à confiança, mas poderão ter de recorrer a juros mais altos, o que poderá comprometer ainda mais o crescimento. Uma maneira melhor de reiniciar um afluxo de capital de volta para esses mercados é sinalizar aos investidores que eles serão bem tratados.

Nesse sentido, a região tem muito trabalho a fazer. No Brasil, os empreendedores arcam com o ônus de pesados impostos e regulamentação complexa. O México restringe investimentos em energia, telecomunicações e transporte aéreo de passageiros, e em anos recentes os mexicanos intensificaram seu protecionismo. A Colômbia e o Chile continuam experimentando controles de capital. No Peru, são incertos os direitos de propriedade, o que desestimula os investidores. Os mercados de trabalho em toda a região são inflexíveis.

Toda crise cria oportunidades, e esta não é diferente. Os reformadores na região fizeram boa parte do trabalho difícil. Por que não aproveitar o momento e terminar a tarefa?

Mary Anastasia O"Grady é colunista do "Wall Street Journal".