Título: Plano de resgate britânico inspira outros governos e anima mercados
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Fonte: Valor Econômico, 14/10/2008, The Wall Street Journal Americas, p. C3

O governo do Reino Unido e os principais banqueiros do país, depois de um fim de semana de insônia em Londres, dizem que encontraram uma maneira de deter a crise financeira.

O plano britânico de resgate, que está se tornando um modelo para os Estados Unidos e o resto da Europa, é fruto de uma colaboração excepcionalmente próxima entre o governo e os bancos do país.

O governo americano também deve anunciar hoje um esforço semelhante para restaurar a confiança do sistema bancário dos EUA, depois que o plano britânico aparentemente forneceu as bases para uma alta repentina nas bolsas mundiais.

Essa nova ação provavelmente fará com que o setor bancário americano conte com a participação direta do governo do país durante os próximos anos. O plano de ação está sendo formulado em conjunto pelo Departamento do Tesouro, pelo Federal Reserve, o banco central americano, e pela agência federal de garantia de depósitos FDIC.

Um aspecto central desse novo plano de ação é autorização para o Tesouro dos EUA comprar cerca de US$ 250 bilhões em participações em milhares de bancos, usando parte dos US$ 700 bilhões aprovados pelo Congresso para socorrer o sistema financeiro, segundo uma pessoa a par da questão.

O governo britânico, por sua vez, comunicou ontem que vai investir até 37 bilhões de libras em três de seus maiores bancos, inclusive o Royal Bank of Scotland Group PLC, que tem 281 anos de idade. De uma só vez o governo assumiu participação controladora em três bancos cujos balanços totalizam, somados, 2,5 trilhões de libras - cerca de 50% a mais que o PIB do país.

Em poucos dias houve uma mudança na imagem do primeiro-ministro Gordon Brown e na do ministro das Finanças, Alistair Darling, antes vistos como hesitantes e confusos. Há apenas um ano, as decisões erradas de ambos contribuíram para a primeira corrida aos bancos do Reino Unido em mais de um século, e um mês atrás, Brown obteve um dos resultados mais baixos nas pesquisas de opinião pública já registrados para um primeiro-ministro britânico da era moderna. Hoje, o plano concebido pelos dois dirigentes está sendo aprovado no mundo todo.

Ontem, Brown lembrou o encontro realizado em julho de 1944 em Bretton Woods, no Estado americano de New Hampshire, quando os líderes dos países ricos se reuniram para traçar o mapa da ordem financeira do pós-guerra e criaram o Fundo Monetário Internacional. Com isso, o primeiro-ministro britânico descreveu as medidas que pretende tomar.

"Precisamos construir ao nosso redor um novo Bretton Woods - uma nova arquitetura financeira para os anos que vêm pela frente", disse Brown. "Com a mesma coragem e antevisão daqueles fundadores, precisamos agora reformar o sistema financeiro internacional."

Dando retaguarda aos dois dirigentes britânicos na formulação do plano há toda uma equipe de assessores de Brown menos conhecidos, e ainda uma série de bancos de investimento, incluindo UBS AG e a firma financeira londrina J.P. Morgan Cazenove, dando consultoria para o governo.

Apesar do tom otimista do comunicado governamental de ontem, não está claro se essa iniciativa, parte de uma onda de intervenções coordenadas por parte do governo americano e de vários governos europeus, bastará para estancar a crise financeira.

Nos últimos meses as autoridades bancárias e regulatórias louvaram as medidas de salvamento do setor financeiro, só para ver as bolsas cair e as taxas de empréstimo bancário disparar.

Mesmo assim, o diretor-presidente de banco de investimento do Barclays PLC, Robert E. Diamond Jr., disse que checou, por volta das 9 horas ontem, uma mesa do Barclays que acompanha os mercados monetários, de dívidas de curto prazo, um segmento que esteve congelado nas últimas semanas. A conclusão é que agora se espera que as decisões do governo britânico liberem o fluxo de empréstimos bancários. Um operador lhe disse, "Foi quase como se todos soltassem coletivamente um suspiro de alívio".

Por outro lado, governos europeus estão se vendo diante de um novo desafio, agora que anunciaram planos arrojados para salvar os bancos: como pagar a conta.

Além do Reino Unido, também a Alemanha, França, Espanha e Itália divulgaram ontem mais detalhes de medidas que implicam gastos de trilhões de euros e libras por parte dos governos para adquirir participações em bancos problemáticos e oferecer bilhões mais em garantias que visam a ajudar os bancos a tomar emprestado o dinheiro de que precisam para operar. Mas mesmo com a forte alta das bolsas resultante dos anúncios, economistas estavam preocupados com o possível impacto sobre as finanças públicas.

Na prática, os governos estão fazendo apostas gigantescas no futuro de seus bancos. Se o plano der certo e os bancos forem bem, os contribuintes podem sair ganhando porque os ativos adquiridos pelos governos ficarão mais valiosos.

Mas se os bancos tiverem mais prejuízos ainda, o déficit nacional pode crescer e a classificação da dívida desses países pode cair. Isso, por sua vez, aumentaria o custo de financiamento para o governo, desestimularia o investimento privado e brecaria o crescimento econômico.

"É um risco incrivelmente alto", disse Simon Johnson, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, e ex-economista chefe do Fundo Monetário Internacional. "Não dá para saber que perdas esses bancos vão ter."

Até agora, os planos mais ambiciosos são do Reino Unido e da Alemanha. O primeiro está planejando emitir cerca de 37 bilhões de libras (US$ 63,1 bilhão) em títulos de dívida para financiar a compra de ações comuns e preferenciais de três bancos: Royal Bank of Scotland Group PLC, Lloyds TSB Group e HBOS PLC, sendo que os dois últimos estão prestes a se fundir. Se investidores privados não participarem da emissão de ações dos bancos, o governo provavelmente vai acabar com uma fatia de 60% do RBS, por 20 bilhões de libras, e 40% do Lloyds-HBOS por 17 bilhões de libras. O governo britânico também vai garantir cerca de 250 bilhões de libras em dívidas bancárias que vencem em até três anos. As garantias se estendem pelo vasto e paralisado mercado interbancário, ou de empréstimos de curto prazo entre bancos, disse uma porta-voz do Tesouro.

A Alemanha planeja tomar emprestado até 80 bilhões de euros (US$ 107,3 bilhões) para comprar fatias de bancos e dar mais 400 bilhões de euros em garantias de dívidas.

Já o governo francês anunciou que vai injetar até 40 bilhões de euros em bancos e garantir um total de 320 bilhões de euros em titulos de dívida. O primeiro passo será injetar 1 bilhão de euros no Dexia SA, banco que os governos francês e belga concordaram em socorrer.

O governo espanhol, por sua vez, aprovou planos para garantir até 100 bilhões de euros em dívida de bancos em 2008 e estabeleceu um mecanismo para injetar capital nos bancos do país, embora tenha informado que nenhum precisa da ajuda neste momento.

A Itália também anunciou um plano para garantir dívida bancária, sem limites, mas uma porta-voz do Ministério da Fazenda disse que o governo não espera que nenhum banco use a garantia no futuro próximo.