Título: Empresas de SP assinam pacto pela Amazônia
Autor: Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2008, Brasil, p. A3

A idéia é cortar pela demanda. Esta é a estratégia de empresas, restaurantes, supermercados e lojas de produtos de madeira que, junto com as ONGs mais atuantes na região, assinarão hoje pactos setoriais para brecar a devastação da Amazônia provocada pelos paulistanos. Não há números precisos, mas a cidade de São Paulo tem boa parcela de responsabilidade no desmatamento da floresta. Marisa Cauduro/Valor Adalberto Verissimo, do Imazon: conexão forte, porém perversa

São três pactos com foco na Amazônia - um para produtos de pecuária bovina, outro para grãos de soja e o terceiro para artigos florestais. Entre os primeiros signatários estão o Pão de Açúcar e o Wal-Mart, a Léo Madeiras, os frigoríficos Friboi e Marfrig, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e entidades como o Instituto Socioambiental, a Amigos da Terra-Amazônia Brasileira, o Greenpeace, o Instituto Ethos. A Febraban foi procurada no início de setembro, mas não respondeu ao convite para aderir.

O esforço vem sendo costurado há três meses. "Quem se compromete terá que mudar de postura", diz Oded Grajew, do Movimento Nossa São Paulo. A entidade, junto com o Fórum Amazônia Sustentável, está realizando o seminário "Conexões Sustentáveis: São Paulo-Amazônia" e vem articulando o esforço. Será ali, no auditório da Promon, que os pactos devem ser assinados. Espera-se que os dois candidatos à Prefeitura, Gilberto Kassab (DEM) e Marta Suplicy (PT), também se comprometam com políticas e compras públicas que apontem para o mesmo caminho.

Os documentos consideram que "a cidade de São Paulo realiza a mais global e intensa interação econômica com a Amazônia em todo o mundo". São instrumentos voluntários para restaurar passivos ambientais amazônicos e miram, segundo o enunciado, "oportunidade real de se alterar, na cidade de São Paulo, os atuais padrões predatórios de consumo de produtos e serviços da Amazônia". "São Paulo tem uma conexão forte com a Amazônia e na maior parte das vezes, muito perversa", diz Adalberto Veríssimo, pesquisador sênior do Imazon, a ONG sediada em Belém famosa por divulgar, mensalmente, dados sobre o desmatamento da região. "A gente perde um Estado de Sergipe por ano", disse ele, comparando a média de área desmatada nos últimos tempos. "Estamos, quantitativamente, perdendo esta batalha", continuou. "Qualitativamente, temos algumas idéias. Precisamos dar escala a elas. Para a Amazônia, São Paulo significa mercado", continuou. "O desafio é ter um novo software político e de processo para a Amazônia. Sair da versão 1.0 para a 2.0, mais contemporânea."

Os acordos abrangem financiamento, produção, uso, comercialização e consumo. Quem assinar o pacto da madeira se compromete a financiar ou adquirir produtos provenientes de fontes certificadas. No acordo da carne, a intenção é financiar ou comprar apenas de fontes que não estiverem na lista suja do trabalho escravo do Ministério do Trabalho e na relação de áreas embargadas pelo Ibama. Os princípios da moratória da soja balizam o terceiro pacto.

André Muggiatti, do Greenpeace, exibiu fotos onde se viam clarões na floresta e bois pastando. "São todas deste ano", avisou. O Brasil consome 75% da carne que produz e é o segundo maior consumidor de carne do mundo, perdendo apenas para os argentinos. Valendo-se do estudo da Amigos da Terra - Amazônia Brasileira divulgado em janeiro, ele lembrou que entre 2004 e 2007 a produção de carne na Amazônia aumentou em 1,5 milhão de toneladas.

Em seus números fica claro como é atraente derrubar a mata e colocar mais gado na região. O preço médio da terra na Amazônia é de R$ 250/ha se no terreno tiver cobertura vegetal, valor que dobra se o hectare estiver desmatado e com pasto. "É inegável o vetor de desmatamento da pecuária", disse. Na Amazônia Legal há 69 milhões de hectares de área ocupada - deste total, a pecuária responde por 79,5%. Se em 1996, a média eram 77,8 hectares por estabelecimento, em 2006 este número saltou para 150,8 hectares. "O crescimento ocorre pelo aumento de área dos já instalados e não por estabelecimentos novos", destacou Muggiatti. "O mesmo governo que tem ministros como Marina Silva e Carlos Minc dizendo que é importante preservar a Amazônia, adota medidas que vêm manter o modelo predatório para a região."