Título: Indianos vêm ao Brasil em novembro para discutir biocombustíveis
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2008, Brasil, p. A5

O álcool brasileiro encantou a Índia, que vê no etanol uma alternativa para enfrentar a forte dependência energética do país, que importa 90% da demanda nacional por combustível. Após transformar em sabatina sobre o etanol uma audiência com o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, o ministro do Petróleo e Gás Natural da Índia, Murli Deora, confirmou que viajará ao Brasil em novembro, para discutir o tema e participar da conferência sobre biocombustíveis convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Como é comum na Índia, o interesse do governo demora, porém, a se converter em medidas concretas. Miguel Jorge não obteve uma resposta precisa sobre quando os indianos vão realizar os investimentos de US$ 600 milhões das estatais de petróleo em etanol no Brasil, como anunciaram no início do ano. Deora reafirmou, porém, que será mantida a decisão do governo indiano de aumentar, neste ano, a exigência de adição do álcool na gasolina de 5% para 10%.

Empresários indianos também mostraram entusiasmo com o etanol, durante o fórum do setor privado na reunião de Cúpula Índia-Brasil-África do Sul, que se encerra hoje, na capital indiana. "Temos forte interesse no etanol, uma alternativa sustentável para as reservas de petróleo e gás, que têm prazo para acabar", comenta o presidente da Tata Internacional, Syamal Gupta, que pretende enviar ainda neste ano ao Brasil uma missão de executivos da empresa, uma das maiores da Índia. "O custo de produção no Brasil é um terço do indiano", compara.

"Hoje, 70% de nossas necessidades de energia são cobertas por importação, até 2050 serão 90%", comenta o presidente da Overseas Infrastructure Alliance Pvt, Vidya Bhushan Soni, ao explicar a razão do interesse indiano em alternativas como o etanol. "Estamos muito atrasados no negócio do etanol", comenta. Responsável por contratos que somam US$ 430 milhões em projetos de infra-estrutura na África, Soni defende que é o momento de investir na produção de cana-de-açúcar ou importação do álcool do Brasil.

O programa de etanol na Índia foi lançado em 2003, sem sucesso devido à queda na produção de cana em 2004 e 2005, quando os indianos se tornaram os maiores importadores de etanol brasileiro (US$ 115 milhões em 2005, 16% do total exportado pelo Brasil). Em 2006, porém, as vendas caíram para apenas 10 milhões de litros (menos de US$ 5 milhões) e, em 2007, para zero. A Índia produz etanol a partir do melaço, como subproduto do açúcar, que tem grandes oscilações na produção, afetando as cotações do preço do açúcar no mercado mundial.

"Nos interessa que eles passem a produzir mais etanol também no país, para reduzir a excessiva variação de preço do açúcar", comenta o diretor da Unica Eduardo Leão de Souza. "Neste ano devem produzir quase 6 milhões a menos de açúcar que no ano passado", exemplifica. A Unica tem procurado empresários indianos para pressionar as autoridades por medidas de estímulo ao uso do etanol.

É forte a pressão de participantes do mercado privado contra a importação de etanol, ou o deslocamento da produção no país. Murli informou a Miguel Jorge que as empresas lhe garantiram ser necessário adaptar os motores dos automóveis para andarem com a mistura de 10% de álcool na gasolina. "Eu disse que não precisa, só a partir de 20%", afirmou o ministro. Em diversos contatos com o governo indiano, Miguel Jorge insistiu na necessidade de concretizar a promessa de investimento na produção de álcool brasileira pelas empresas de distribuição Bharat Petroleum, Hindustan Petroleum e Indian Oil, que controlam 90% dos postos de combustíveis da Índia.

Miguel Jorge ouviu também, do ministro de Relações Exteriores da Índia, Anand Sharma, a proposta de uma aliança entre Brasil, Índia e África do Sul para o uso pacífico de energia nuclear. Mas, segundo o ministro, as implicações políticas da proposta, devido ao uso bélico que os indianos fazem da energia nuclear, desaconselham por enquanto uma maior aproximação entre os dois países. (SL)