Título: Fiasco na Rodada Doha tira Índia da presidência de comitê do Fundo
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2008, Brasil, p. A5

A Índia começou a pagar a fatura pelo papel central no fiasco do acordo na Rodada Doha, em julho, com a derrota inesperada de seu ministro de Finanças em eleição no Fundo Monetário Internacional (FMI), segundo fontes em Genebra. O ministro Palaniappan Chidambaram parecia destinado a ser o primeiro representante de um país em desenvolvimento na presidência do influente Comitê Monetário e Financeiro Internacional (CMFI), que define as orientações a serem seguidas pelo conselho executivo do FMI.

O CMFI sempre foi dirigido, desde a sua criação, por um representante europeu. A Índia esteve entre os países que forçaram uma mudança para refletir o peso dos emergentes. Agora, quando isso enfim foi possível, parte do apoio prometido ao ministro da Índia na votação acabou mudando para o outro candidato, o ministro de Finanças do Egito, Youssef Boutros Ghali. O indiano acabou se retirando e o egípcio foi eleito por consenso.

Segundo fontes que receberam o relato da votação, alguns países da Europa decidiram retirar o apoio à Índia para manifestar seu desagrado com a posição de Nova Déli na negociação de Doha em julho, que deveria fechar um pacote após sete anos de discussões. Entre os 24 membros do comitê estão Alemanha, Reino Unido, Suécia e Holanda, que queriam o acordo na OMC. Alguns asiáticos também teriam alterado o voto. Os Estados Unidos, que se chocaram com os indianos na OMC, preferiram se abster. O Brasil faz parte do comitê, mas seu representante no FMI não retornou os telefonemas ontem.

"Foi a primeira punição", disse um alto negociador. "Bem feito", completou outro, comentando a derrota. O ministro de Comércio indiano, Kamal Nath, é considerado por vários negociadores como o principal culpado pelo desastre em que se encontra a Rodada Doha, por ter usado todo tipo de obstáculo para evitar um acordo envolvendo uma salvaguarda especial para bloquear um aumento súbito de importações agrícolas.

A suspeita é de que Nath agiu por motivo não apenas comercial. Primeiro, simulações mostram que historicamente todas as salvaguardas que vigoraram até hoje só foram usadas sobre 2% do comércio, justamente porque não foi necessário acioná-las. Segundo, a Índia sequer é um grande importador de produtos agrícolas. Importa US$ 7 por habitante, comparado a US$ 35 da China, por exemplo.

Vários países temem terem perdido uma oportunidade também para frear o protecionismo que desponta no rastro da crise financeira e porque as condições do mercado se alteram. Exemplo: desde julho, houve alta de 15% no preço do algodão , o que pode levar os EUA a pagar mais subsídios para seus 20 mil cotonicultores. As subvenções agrícolas americanas são vinculadas ao preço. Quanto mais baixa a cotação, maior o subsídio.

O temor de alguns países exportadores é de logo se chegar a uma situação em que os Estados Unidos estarão concedendo acima dos US$ 14,5 bilhões de subsídios agrícolas, que era o limite que Washington tinha aceitado para fechar um pacote na OMC. Atualmente, os EUA têm direito a dar até US$ 48 bilhões de subvenções.

Nath era ministro de Meio Ambiente na Cúpula do Rio, em 1992. Na ocasião, três convenções deveriam ser aprovadas: da mudança climática, da biodiversidade e de florestas. As duas primeiras acabaram sendo aprovadas, mas a convenção da floresta foi bloqueada também por causa de aparente intransigência da Índia. Para certos analistas, é a ausência da convenção que provoca hoje a existência de grande número de certificações e outros problemas envolvendo produtos florestais no comércio internacional.