Título: Pela aprovação das MPs da crise, governo aceita adiar Fundo Soberano
Autor: Costa, Raymundo; Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2008, Política, p. A6

O governo admite adiar a criação do Fundo Soberano do Brasil em troca da aprovação de cinco medidas provisórias em tramitação na Câmara, desde que a oposição concorde em marcar uma data, o mais breve possível, para a votação do FSB. O Palácio do Planalto armou uma ampla estratégia para enfrentar a crise financeira internacional, mas avalia que ainda precisa de uma parceria maior com o Congresso.

Há conversas entre governo e congressistas, mas elas traem ainda ressentimentos eleitorais. Foi a oposição, especialmente o PSDB, quem propôs votar as medidas provisórias que obstruem a pauta de votação, em troca da retirada do projeto de lei que cria o Fundo Soberano. Contrariado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu sinal verde para a negociação, mas impôs a condição de que a oposição marcasse uma data para a votação do projeto, que tramita em regime de urgência. Ontem, o DEM dizia que não concordava em fixar data para votar o FSB, como quer o Planalto.

O problema, para o governo , é que no momento há cinco medidas provisórias e quatro projetos tramitando em regime de urgência, que obstruem a pauta, entre eles o que cria o FSB. A MP que interessa a todos - inclusive a oposição - votar e aprovar é a de número 442, vem logo em seguida na pauta, e dispõe sobre o socorro aos bancos pelo Banco Central, o "Proer do PT", como foi apelidada na oposição.

O presidente Lula, em viagem pela Ásia, acompanha de perto a negociação. Ele acha que a aprovação do Fundo Soberano do Brasil, a ser constituído inicialmente por RS 14,4 bilhões, seria uma ótima sinalização para os mercados externos. Em Brasília, o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, argumentava: "Qual é o problema de eu pedir uma licença para poupar"?. O próprio ministro respondia: "Se eu estivesse pedindo licença para gastar, aí sim seria um problema. Mas nós estamos pedindo uma licença para poupar. Isso diz para o mercado que nós podemos poupar".

Na qualidade de coordenador político do governo, cabe a José Múcio Monteiro estabelecer a parceria exigida pela estratégia traçada no Planalto para o enfrentamento da crise. Mas no momento, o governo está consciente de que não tem condições de votar mais que uma medida provisória por semana, talvez duas, se não contar com a efetiva boa vontade da oposição e dos ressentidos da base aliada com as derrotas eleitorais, e que não são poucos - os aliados ainda estão com pouca paciência para ouvir os argumentos do governo. Como são cinco MPs trancando a pauta, além dos quatro projetos com urgência, projeta-se em quase um mês para que a pauta seja novamente liberada. Sem obstrução, as votações poderiam ocorrer por acordo, o que acelera todo o processo.

Além de consertar uma parceria com o Congresso, o Palácio do Planalto atuou em várias frentes para enfrentar uma crise que julga ainda estar ao largo, ou seja, não desembarcou no litoral. Uma das providências é afinar o discurso entre os ministros Guido Mantega (Fazenda), e Henrique Meirelles, presidente do Banco Central.

Na Câmara, o debate acirrou os ânimos. A proposta colocada à mesa divide oposicionistas e governistas. O PSDB, o primeiro partido a formalizar uma proposta oficial ao governo, concorda que, após a retirada da urgência e a votação das seis medidas provisórias - a 442 é consenso entre oposição e governo - o Fundo Soberano volte a ser discutido na Câmara em novembro. O líder do PSDB na Casa, José Aníbal (SP), foi além. A urgência poderia ser retirada num dia e recolocada no dia seguinte, já que, nesse meio tempo, a pauta poderia ser invertida e a MP 442 passaria à frente na lista de prioridades da pauta.

O Democratas permaneceu irredutível. Vice-líder do partido na Câmara, o deputado José Carlos Aleluia (BA) fez um pesado discurso em plenário, reforçando o discurso do partido contra o Fundo. O DEM permanece em obstrução e seguirá com a estratégia de apresentar um substitutivo global ao texto encaminhado pelo Executivo, trabalho que fica facilitado se o debate sobre o Fundo for adiado.

Entre os governistas, a negociação também não é simples. O líder do PT na Câmara, Maurício Rands (PE), concorda com a proposta feita pelos tucanos, desde que uma nova data para o Fundo seja marcada. Mas o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS) pressiona a base a assegurar o quórum, aprovar as medidas provisórias e examinar em seguida o FSB, sem a retirada da urgência. Ou seja, fazer valer a maioria governista passar por cima da oposição.

O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), reconhece as dificuldades na negociação. Para que não se instale o impasse, o plenário da Câmara começou a debater ontem a primeira medida provisória que trancava a pauta da Casa - a MP 436, que promove alterações na cobrança do PIS/Cofins.