Título: Brasil prepara lançamento de diesel de cana
Autor: Barros, Bettina
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2008, Agronegócios, p. B12

Segundo maior produtor mundial de etanol, o Brasil será em breve o primeiro país a colocar no mercado o diesel de cana, um combustível limpo e com custo de produção inferior ao do petróleo. A partir de 2010, o grupo Santaelisa Vale, de Sertãozinho (SP), começará a operar a nova planta para produção exclusiva do combustível. Ed Viggiani/Valor Fernando Reinach, da Votorantim Novos Negócios: 16 mudanças de genes para chegar ao diesel "superpuro"

A iniciativa, vista como "revolucionária" pelo setor sucroalcooleiro, é fruto da joint venture da empresa californiana de biotecnologia Amyris e a Crystalsev, subsidiária da Santaelisa, firmada em abril. Para as empresas, o novo diesel dará outros usos à cana e abrirá portas para outros combustíveis à base da matéria-prima, estendendo-se à gasolina e ao querosene.

"Após o álcool, açúcar e energia, teremos diesel de cana", afirmou Fernando Reinach, diretor-executivo da Votorantim Novos Negócios, agora um dos cinco maiores investidores da Amyris. O braço da Votorantim responsável por investimentos de capital de risco e private equity anunciou ontem aporte não revelado na empresa californiana, responsável pela engenharia genética que resultou no diesel de cana. Com o aporte, o capital investido na Amyris em 12 meses ultrapassa US$ 100 milhões. "Os recursos têm como objetivo contribuir para a comercialização de diesel a partir de cana", diz ele.

A estimativa de produção pela Santaelisa do diesel "superpuro" - como os engenheiros geneticistas o chamam - será de 400 milhões de litros em 2011, subindo para 1 bilhão de litros no ano seguinte, o equivalente a 20% da importação de diesel convencional do Brasil.

Uma planta-piloto em Campinas, onde a Votorantim faz pesquisas, entrará em operação em fevereiro. A Santaelisa, por sua vez, construirá um novo tanque de fermentação, a adaptação necessária para a produção do novo diesel.

O diesel de cana pertence à chamada segunda geração de combustíveis, fortemente amparados na biotecnologia. Ao contrário do biodiesel, ele não tem em sua composição óleos vegetais. "A técnica é a utilização de uma levedura geneticamente modificada para atuar na fermentação da cana. Essa levedura permite que a garapa [caldo de cana] se transforme em diesel em vez de etanol", diz Reinach.

O grande passo foi a identificação de uma molécula - o farnesane - que sintetizasse as características do diesel, explica John Melo, CEO da Amyris. "Como essa substância não existe na natureza, buscamos sintetizá-la a partir do açúcar da cana", diz. Foram necessárias 16 mudanças de genes para chegar ao resultado desejado.

Para os cientistas, uma vez descoberta a "rota do metabolismo" da molécula será possível partir para vôos mais altos, como o querosene de cana. "Será questão de substituir dois genes", diz Reinach.

O diesel de cana foi concebido para o mercado brasileiro, dependente de importações. Hoje, o país consome 45 bilhões de litros de diesel por mês. "Cerca de 5 bilhões são importados", diz Melo. Mas a produção será insuficiente para substituir o diesel convencional. "Ela será complementar ao diesel".

Os custos de produção serão inferiores aos do petróleo, diz o CEO da Amyris. Segundo Melo, com a teconologia, a previsão é que o diesel de cana custe US$ 60 por barril. Inferior ao custo de produção do petróleo na Rússia e à prospecção em águas profundas, de US$ 75.