Título: O ajuste chega aos fundos
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Fonte: Valor Econômico, 15/10/2008, Investimento, p. D1

A crise de liquidez no mercado brasileiro terá finalmente seu efeito sobre os fundos de investimento de renda fixa, que aplicam parte dos recursos em papéis privados, como CDBs, debêntures e cotas de fundos de recebíveis (FIDC). As carteiras terão de atualizar os preços dos papéis privados aos valores que estão sendo negociados no mercado, que estão mais baixos já que os juros subiram. E quando o juro sobe, o papel que pagava menos perde valor para se ajustar à taxa atual. O ajuste já ocorreu nas cotas de alguns fundos na segunda-feira, sendo que vários tiveram perdas, especialmente os de maior risco, especializados em crédito privado. Mas muitos estarão mostrando esse ajuste nas cotas hoje. As perdas podem ficar em 0,3% nos fundos de varejo e 0,9% nos mais agressivo, para um CDI acumulado no mês até ontem de 0,51%.

O ajuste geral das cotas foi provocado por orientação da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) que, em circular na sexta-feira, determinou que os gestores marquem a mercado os papéis privados de acordo com os preços dos últimos 15 dias. Antes, cada banco podia marcar CDBs e outros papéis pelo critério que quisesse, desde que comunicasse os parâmetros para a Anbid, o que permitia a muitos adiar o ajuste.

Além disso, a Anbid determinou que, se não houver negociação no mercado secundário, o administrador da carteira, responsável por calcular as cotas e fiscalizar a marcação dos ativos, poderá ele mesmo estimar os valores de acordo com critérios por ele determinados. O Itaú, por exemplo, um dos maiores administradores de fundos do país, está pesquisando diariamente as taxas pagas pelos bancos menores para estimar o valor dos CDBs dos fundos. "Se o fundo tem um CDB de um banco médio que pagava 108% do CDI há um mês e o administrador liga para a tesouraria do banco e descobre que ele está pagando 120%, ele ajusta para baixo o valor do ativo na carteira do fundo", diz um gestor de recursos que pediu para não ser citado.

A medida da Anbid teve por objetivo evitar que os investidores em fundos sejam prejudicados pelos resgates em um momento de alta dos juros. Se os bancos não atualizarem os papéis, quem saca antes acaba levando um valor maior, e quem permanece no fundo fica com o prejuízo. E, com os resgates das carteiras aumentando, os fundos estavam "queimando" a parcela de liquidez que possuíam, formada por aplicações no overnight e títulos públicos. Em duas semanas, os fundos de renda fixa tiveram saques de R$ 5,525 bilhões.

Aumentava, assim, a parcela dos papéis privados, que neste momento têm menor liquidez, na carteira, diz Marcelo D"Agosto, do site Fortuna. "Isso faz com que o valor desses ativos seja o de liquidação, como se o fundo tivesse de vendê-los hoje e recebesse um valor bem menor já que o juro subiu."

A redução da parte mais líquida dos fundos foi um dos motivos de o Banco Central divulgar na segunda que permitirá que os bancos que comprarem ativos de fundos possam deduzir o valor do compulsório. A preocupação era que os bancos menores, pressionados pelos pedidos de resgate de CDBs dos clientes e com captação menor, não tivessem como recomprar os CDBs dos fundos. "Mas o que há é uma crise de liquidez, não de crédito, por isso é importante o BC tomar essa medida", diz um gestor.

O que gestores e especialistas lembram é que, mesmo com essas perdas, é mau negócio para o investidor sacar o dinheiro do fundo agora. Isso porque, após o ajuste, a rentabilidade vai subir, de acordo com as taxas mais altas dos papéis.

Os ajustes foram relativamente pequenos, parecidos com o que ocorreu em abril, quando os CDBs começaram a disparar, lembra Alfredo Setubal, vice-presidente do Itaú e ex-presidente da Anbid. Segundo ele, o Itaú já fez a marcação de todos os fundos, o que provocou perdas em torno de 0,3% na segunda-feira nos fundos de renda fixa de varejo. Já nas carteiras mais agressivas, com mais crédito, a perda no dia foi maior, de 0,9%. Setubal estima que a média do mercado dos renda fixa possa ficar em torno dos 0,3% a 0,4%, mas isso vai depender da composição da carteira do fundo. "Mas esses fundos estão sujeitos mesmo a esse tipo de volatilidade, não notamos grande preocupação dos cliente", diz.

O agravamento da crise financeira nas últimas semanas intensificou ainda mais a saída de recursos dos fundos. Só entre os dias 3 e 10 de outubro, R$ 8,662 bilhões deixaram o setor, segundo dados do Fortuna. A esse valor soma-se outros R$ 8,662 bilhões que foram sacados entre 26 de setembro e 3 de outubro. Isso significa que em apenas duas semanas R$ 14,806 bilhões saíram de fundos. Os multimercados são os que apresentam os maiores resgates. Em duas semanas, a categoria perdeu R$ 5,565 bilhões, acumulando saques de R$ 34,574 bilhões no ano até o dia 10.