Título: Injeção de liquidez pode gerar inflação. É um risco aceitável
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2008, Finanças, p. C12

O Banco Central reconhece que, dependendo da evolução da crise financeira, a injeção maciça de dinheiro feita no sistema bancário nas últimas semanas poderá estimular a demanda agregada e provocar a aceleração da inflação. Mas, para o BC, esse seria um risco aceitável, considerando que a falta de ação poderia ter consequências ainda mais sérias.

Uma fonte do BC argumenta que a economia vive um momento especial, em que a principal preocupação deve ser manter a estabilidade do sistema, uma função clássica das autoridades monetárias, que está na própria origem dos primeiros bancos centrais.

O conjunto de medidas de liberação de compulsórios anunciado pelo BC desde fins de setembro pode, caso seja plenamente usado, provocar uma injeção de R$ 160 bilhões no mercado bancário. Os recursos representam mais do que a chamada base monetária, uma das medidas mais conhecidas do volume de dinheiro em circulação na economia, que no início deste mês somava R$ 139,727 bilhões.

O BC pondera que apesar da forte injeção de recursos no sistema bancário, o combate à inflação não está sendo descuidado. Ao mesmo tempo em que concede liquidez a segmentos do mercado, o que expande o volume de dinheiro na economia, o BC faz operações de mercado aberto, vendendo títulos públicos para recolher dinheiro do sistema financeiro.

Com essas operações, o BC recolhe o excesso de dinheiro da economia e garante que a taxa Selic, principal instrumento de controle da inflação, permaneça dentro da meta definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. Nos últimos dias, a Selic efetiva tem ficado ao redor de 13,67%, muito próximo da meta da Selic, de 13,75% ao ano.

Na prática, a liberação de recursos dos compulsórios apenas obriga o BC a recolher um pouco mais de dinheiro por meio de suas operações de mercado aberto. Nos últimos anos, tem sido regra a pesada atuação do BC por meio desse instrumento. Pelo dado mais recente, do início do mês, o BC recolhia R$ 304 bilhões em operações com prazos que vão de alguns dias a vários meses. O mercado tem excesso de dinheiro, entre outros motivos, porque o BC comprou dólares de agentes privados para fortalecer as reservas.

Apesar de a atuação no mercado aberto garantir que os juros vão ficar no patamar desejado, o BC reconhece que a liberação de compulsórios tem potenciais impactos inflacionários. Redução de compulsórios é considerado um instrumento clássico de política monetária. O corte de alíquotas aumenta o chamado multiplicador monetário, que é uma medida de quanto o dinheiro pode girar na economia, criando empréstimos e depósitos bancários que, por sua vez, criam novos empréstimos.

Mas o impacto exato da liberação de depósitos compulsórios sobre a demanda agregada e inflação é, para o BC, algo desconhecido. A autoridade monetária acumulou, ao longo dos últimos anos, muito conhecimento sobre como age a alta de juros sobre a economia porque esse foi um instrumento bastante usado no período. Os compulsórios, porém, mudaram pouco e, por isso, o BC sabe pouco sobre os seus efeitos na economia.

Embora a prioridade seja a crise, o BC diz que não irá deixar de monitorar os impactos inflacionários da redução dos compulsórios, agindo se e quando for necessário. A sua ação vai depender de como a crise - e as medidas adotadas para combatê-la - atinge a economia.

Uma das possibilidades é os bancos emprestarem menos aos clientes, algo que certamente aconteceria se o BC deixasse de reagir à crise. Uma fonte do BC diz que, entre outros objetivos, o corte dos depósitos compulsórios visa evitar que a crise de liquidez produza uma desaceleração no crédito bancário maior do que a pretendida pelo atual ciclo de aperto na política monetária.

Mas há outros cenários alternativos. Se a crise for resolvida rapidamente, é possível que os bancos continuem a emprestar normalmente, sem acelerar nem desacelerar a contratação, com baixo risco inflacionário. Numa crise longa, o risco inflacionário pode aumentar, e o BC irá avaliar depois qual será sua resposta.