Título: ONGs ficam fora de pacto por consumo consciente de produtos da Amazônia
Autor: Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2008, Brasil, p. A2

Rubens Gomes, representante do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) foi o último a falar no seminário Conexões Sustentáveis: São Paulo-Amazônia, ontem, em São Paulo. Avisou que, ao contrário do que tinha sido anunciado ao meio-dia, as ONGs envolvidas no processo que resultou em três pactos setoriais assinados por empresas e varejistas para brecar a ilegalidade na produção de carne, soja e madeira na Amazônia, não firmariam os acordos. Amigos da Terra-Amazônia Brasileira, Imazon, Instituto SocioAmbiental (ISA) e Imaflora, por exemplo, preferiram ficar apenas na monitoria dos acordos. Sem a chancela explícita das ONGs, os pactos perdem brilho. Ana Paula Paiva/Valor Mário Menezes: "Pecuária ocupa 60 milhões de hectares na Amazônia e isto não cabe só na lista suja e áreas embargadas"

No caso da Amigos da Terra-Amazônia Brasileira, que no início do ano divulgou o estudo "O Reino do Gado" sobre o impacto da pecuária na Amazônia, o pacto da carne bovina tem uma falha grave. Pelo protocolo, os signatários se comprometem a financiar ou comprar apenas de fornecedores que não estão na lista suja do trabalho escravo do Ministério do Trabalho e na relação de áreas embargadas pelo Ibama. "A pecuária ocupa 60 milhões de hectares na Amazônia. Isto não cabe só na lista suja e nas áreas embargadas", alerta Mario Menezes, diretor-adjunto da entidade. "Achamos a minuta precária porque sugere que todo o resto da pecuária na Amazônia está ok e isso não é verdade."

Ocorreu uma tentativa de incluir na minuta também a exigência que os fornecedores apresentassem seus documentos do SLAPR, sigla para Sistema de Licenciamento Ambiental em Propriedade Rural. Neste cadastro, existente desde 1999, proprietários de terra na Amazônia Legal têm que comunicar, por exemplo, desmates permitidos por lei ao Ibama ou ao órgão ambiental estadual. Mas a inclusão da regra não foi discutida a tempo. "Do jeito que ficou estaríamos dando aval para uma carne que pode ser ilegal. Optamos por acompanhar, mas não assinar o pacto", resume Menezes.

"Somos favoráveis aos acordos setoriais, que apontam para um esforço positivo", diz Luís Fernando Guedes Pinto, secretário-executivo do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). "Mas ONGs não produzem nem financiam atividades do gênero e entendemos que nosso papel é participar apenas do grupo de monitoramento dos pactos."

A costura dos pactos setoriais da carne, da madeira e da soja foi feita pelas redes multisetoriais Movimento Nossa São Paulo e Fórum Amazônia Sustentável - do qual muitas destas ONGs fazem parte. Ontem, presidentes de empresas varejistas como o Wal-Mart e Pão de Açúcar, de frigoríficos como o JBS e madeireiras como a Léo Madeiras, além de executivos da associação dos fabricantes de óleos vegetais, a Abiove, subiram ao palco do evento manifestar publicamente sua adesão aos pactos setoriais. "O que esperamos é que eventos como este gerem exemplaridade", disse Oded Grajew, do Movimento Nossa São Paulo. Segundo ele, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte estão acontecendo movimentações nos mesmos moldes. "São Paulo e a Amazônia estão interligados para o bem e para o mal", prosseguiu Grajew.

Os pactos, naturalmente, sinalizam na direção do consumo consciente. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc lembrou que sua pasta vem firmando acordos muito similares com cadeias produtivas - um deles, proximamente, deve envolver a Febraban. São iniciativas positivas, mas que sequer resvalam no principal imbroglio amazônico - o ordenamento fundiário das propriedades. Minc disse que o governo federal prepara um projeto para "simplificar o emaranhado de leis e dar disciplina às terras na Amazônia" e confirmou que está para sair do forno uma "agência regulativa, nos termos do Inmetro", que pretende dar alguma luz à questão num horizonte de cinco anos.

Trata-se da idéia do ministro de Assuntos Estratégicos Mangabeira Unger, de criar uma agência que cuide da regularização fundiária da Amazônia, atribuição que hoje é do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A iniciativa é recebida com desconfiança pelas ONGs. "A Amazônia é uma espécie de quarto de despejo dos conflitos fundiários do Brasil", diz Sergio Leitão, diretor de políticas públicas do Greenpeace. "Antes de apoiarmos esta idéia, o governo tem de clarear do que se trata."