Título: América do Sul se reunirá para debater alternativas
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2008, Brasil, p. A4

O Brasil quer incluir os países associados ao Mercosul na discussão sobre os efeitos da crise financeira internacional, e está organizando reunião com representantes dos governos de todos os países da América do Sul (exceto Guiana e Suriname), informou uma fonte da chancelaria brasileira. O encontro, pedido há mais de uma semana pela Argentina, está sendo articulado pelo Brasil, que ocupa a presidência temporária do Mercosul. A data sugerida é dia 27 de outubro. A reunião será no Brasil, mas a cidade ainda não está definida.

Para esta reunião serão convocados os dois mais importantes foros de decisão econômica do Mercosul, o Conselho Mercado Comum (integrado pelos ministros da Economia e de Relações Exteriores e o que reúne os ministros de Economia mais os presidentes dos bancos centrais.

O encontro servirá também para afinar as posições entre Brasil e Argentina. Até agora, a reação aos efeitos da crise financeira internacional está levando os dois maiores sócios do Mercosul em direção a um choque. A Argentina está sendo pressionada por empresários para promover uma desvalorização do peso, o que o governo não quer fazer temendo uma alta da inflação.

Como resposta, o governo argentino tem defendido um aumento de protecionismo. Está programado para hoje o anúncio de uma lista de mais de 21,6 mil produtos de origem asiática que vão encontrar barreiras mais elevadas para entrar no país.

Durante seminário realizado terça-feira, o secretário de Indústria do Ministério de Economia, Fernando Fraguio, relatou os vários mecanismos que serão usados na defesa comercial do país para impedir a entrada de produtos importados que prejudiquem a indústria local, entre eles licenças não-automáticas e valores-critério (análise dos preços de entrada dos produtos comparada ao custo de produção e ao praticado pelos demais países, entre outras referências).

A presidente Cristina Kirchner reforçou as palavras de Fraguio e disse em discurso na província de Rio Negro que "neste momento de crise" o governo vai "aplicar um comércio administrado", o que significa, segundo ela, "colocar salvaguardas para que os nossos trabalhadores conservem seus empregos, e as empresas, sua capacidade de investimento e produção".

No entanto, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse em Washington, onde participava da reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), que "não devemos tomar medidas protecionistas em nenhum lugar".

Para o especialista em relações econômicas internacionais, Felix Peña, a posição expressada por Mantega está de acordo com a do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy. "Não quer dizer que haja conflito de ponto de vista com a Argentina", disse. Para ele, o importante é que os governos mantenham total fluidez de comunicação para monitorar em conjunto os problemas que vão surgir desta crise.

Peña experimentou a mesma situação como efeito de uma grande crise em 1999, quando era subsecretário de Comércio Exterior do Ministério de Economia da Argentina. Foi o ano da maxidesvalorização do real e como agora, os empresários argentinos temiam uma entrada massiva de produtos brasileiros mais baratos em seu mercado. Na prática o que aconteceu, conta Peña, é que "houve um desequilíbrio no comércio de alguns setores como calçados, papel, têxteis, mas logo foram feitos acordos entre os setores, sem a necessidade de intervenção dos governos, e tudo se normalizou".