Título: Haverá crédito até para quem especulou, diz Lula
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2008, Brasil, p. A4

O governo vai facilitar empréstimos "a preço de mercado" até para empresas que perderam dinheiro especulando com dólar, informou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele indicou que o Banco Central poderá voltar atrás na política de redução dos depósitos compulsórios dos bancos, caso o sistema financeiro não colabore com as medidas oficiais evitar uma crise do crédito na economia brasileira.

"As empresas que apostaram (na manutenção do dólar desvalorizado) e perderam têm de arcar com suas responsabilidades", comentou o presidente, sem confirmar os rumores no governo de que chegam a quase 220 as empresas nessa situação. "Obviamente o Brasil sempre estará disposto a criar condições para que o sistema financeiro empreste pela lógica do mercado", disse Lula, lembrando que o Banco Central se dispôs a liberar até R$ 100 bilhões na economia com afrouxamento das regras que obrigam os bancos a manter compulsoriamente parte de seus depósitos no Banco Central.

"O que a gente pode garantir é a liquidez: se as pessoas quiserem ir no banco pegar dinheiro emprestado, terão". Ao responder ao Valor o que fará se os bancos continuarem retendo no caixa o dinheiro que o governo gostaria de ver liberado para crédito, Lula afirmou que a situação será acompanhada pelo Banco Central, que agirá caso haja retenção de recursos. "O Banco Central vai ter de tomar o dinheiro de volta, pegar o compulsório outra vez, até porque o BC só vai liberar o dinheiro na medida em que houver a concessão de empréstimo", ameaçou, negando-se a acreditar, porém, que os bancos estejam "escondendo" dinheiro

A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), em nota, afirmou que "entende e partilha a preocupação do presidente da República em relação à normalização das operações de crédito" e informa "que diversas operações têm sido realizadas desde a liberação dos compulsórios."

Segundo o presidente, a garantia de empréstimos a empresas com dificuldade se estenderá aos bancos oficiais. "O governo não ajudará empresas, mas emprestará dinheiro através dos bancos a quem estiver em condições de pedir dinheiro emprestado", disse. Mais cedo, o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, havia informado que o governo analisará "caso a caso" os problemas das empresas que fizeram operações no mercado futuro de câmbio apostando na manutenção de baixas de taxas de câmbio entre o dólar e o real. "As empresas sofreram porque especularam", comentou ele.

"O governo pode facilitar a elas que tenham liquidez via sistema financeiro. Claro que não interessa que elas quebrem", explicou o ministro. Miguel Jorge disse acreditar que a maioria das empresas com prejuízos ao especular com o dólar é de grande porte e tem como absorver o prejuízo, com foi o caso de Sadia, Aracruz e Votorantim. Se houver ajuda, não será "a qualquer preço", garantiu.

Lula negou haver problemas com bancos de grande porte no Brasil. "Detetamos problemas com alguns bancos pequenos, por isso tomamos medidas para garantir que bancos maiores pudessem comprar as carteiras desses menores", lembrou. "Depois mandamos a medida provisória para fazer o redesconto pelo próprio BC para não permitir que os bancos pequenos ficassem com a espada dos bancos grandes na cabeça; e, depois, o Banco do Brasil comprou três carteiras de bancos menores", relatou o presidente.

"Nesse negócio de crise econômica não vale aquele negócio de Zeca Pagodinho, deixa a vida me levar, a gente tem de tomar a frente", gracejou. "Da parte do Brasil, vou reafirmar: não iremos parar nenhuma obra do PAC, nem obra de infra-estrutura, nem o programa de biocombustíveis", garantiu.

Lula argumentou que a crise "não chega logo ao Brasil" por causa da continuidade do desenvolvimento interno, com obras públicas contratadas e solidez dos investimentos de empresas como a Petrobras. "De US$ 112 bilhões que a Petrobras tem de investir até 2012, calculado a um preço de barril de US$ 35 e não de US$ 85, US$ 104 é caixa próprio da Petrobras, não é dinheiro emprestado", exemplificou. "Por isso estamos com certa tranqüilidade", disse Lula. Se houver recessão nos grandes mercados consumidores de produtos brasileiros, "em vez de ficar chorando temos de aumentar nossas exportações para Índia, Indonésia, países africanos, Oriente Médio". (SL)