Título: Bolsas entram em pânico com recessão a caminho
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2008, Opinião, p. A12

O socorro trilionário dos governos dos principais países do mundo aos bancos e a garantia dada a seus empréstimos são provavelmente suficientes para reerguer o sistema financeiro e colocar um anteparo a uma crise que parecia não ter fim. Entretanto, a execução das medidas de apoio e seus efeitos ainda vão levar tempo. Para a crise financeira, o principal termômetro não é o comportamento das bolsas de valores, que ontem voltaram a despencar. Há bons motivos para que elas continuem oscilando fortemente, com viés de baixa, por um bom período. À medida que os pacotes de ajuda comecem a ser executados, a normalização relativa da crise dependerá do fluxo de crédito entre as instituições financeiras e delas para a economia em geral.

Há duas crises que se alimentam uma da outra. A derrocada geral do sistema financeiro colocou um ponto final em uma época de bolhas de consumo e o drástico aperto no crédito já encontrou uma economia global em fase de correção de desequilíbrios.

Se o sistema de crédito não for restaurado logo, a recessão nos Estados Unidos e na Europa deverá ser bem mais profunda do que se poderia imaginar. As atividades econômicas dos países desenvolvidos estão em desaceleração e, uma vez encontrado um patamar de sustentação dos bancos, resta ainda toda uma série de notícias ruins que se estenderão por vários meses. As bolsas já estão em parte deixando de refletir a crise bancária para se concentrar no rápido desaquecimento da economia, sua profundidade e duração. Esta crise da economia real está apenas no começo.

Há cada vez menos dúvidas de que os EUA cairão em recessão e, tecnicamente, vários países da Europa já estão nela. Por isso a perspectiva para as bolsas são sombrias. Nos EUA, as empresas de petróleo levam uma surra nos pregões porque o preço do combustível caiu a US$ 75 o barril, o mesmo preço de um ano atrás. As montadoras americanas, asfixiadas financeiramente, poderão ter suas piores vendas desde 1983. O varejo caiu pelo terceiro mês consecutivo em setembro (-1,2%), o dobro do previsto pelos analistas. Das 13 categorias pesquisadas pelo Departamento de Comércio americano, 11 recuaram. Os gastos de consumo diminuíram 0,8% no terceiro trimestre e provavelmente continuarão caindo no quarto. O preço dos imóveis ainda não chegou ao chão e as vendas se arrastam.

O panorama na Europa não é muito melhor. Há bolhas imobiliárias estourando na Espanha e no Reino Unido, a Irlanda está em maus lençóis e até mesmo a locomotiva alemã está perto de parar, enquanto que a França já amarga dois trimestres de crescimento negativo.

Nestas circunstâncias, não é improvável que as bolsas passem por péssimas jornadas, enquanto a situação dos bancos apresente melhorias encorajadoras. A perspectiva para as empresas americanas e européias não é boa e os mercados têm isso agora em seus radares.

A economia brasileira está em melhores condições do que esteve em todas as crises anteriores, mas deve esfriar razoavelmente em 2009, sem - se erros crassos não forem cometidos - passar perto de uma recessão. A dependência de capital estrangeiro que bate em retirada tornou as ações brasileiras claramente subavaliadas. Entretanto, é difícil vislumbrar um período de alta sustentável à vista. Deverá haver um descolamento relativo dos pregões de Nova York e a bolsa local deverá ter um desempenho relativamente melhor do que as bolsas americanas e européias, porque a perspectiva das empresas é bem melhor. Mas o Ibovespa é muito marcado pelas commodities, cujos preços e demanda apontam para baixo. As exportações devem declinar, enquanto que a expansão das empresas de consumo será refreada por um crédito mais caro e escasso. Assim, ainda que a economia brasileira passe longe de uma crise, o desempenho das empresas no futuro próximo tenderá a ser pior do que foi nos últimos dois anos. Tudo isso, claro, supondo-se que não haja um súbito agravamento no front financeiro global.

Não dá para esperar alento nas bolsas de valores desenvolvidas com uma recessão, de dimensões desconhecidas, a caminho. Se o fluxo de crédito global for retomado e os bancos melhorarem suas contas, a economia terá melhores condições de reagir a tempos difíceis.