Título: Corte agora, poupe depois
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Fonte: Valor Econômico, 16/10/2008, Opinião, p. A13

Os bancos centrais em todo o mundo finalmente reagiram à crise financeira mundial articulando um corte coordenado de meio ponto nas taxas de juros. Isso é positivo, porém bem mais é necessário - e para breve. Se realizados agora, profundos cortes de juros poderão ainda produzir um efeito positivo significativo. Se retardados, seu efeito provavelmente será mínimo.

Sem exceção, os principais bancos centrais do mundo foram lentos em reagir ao aprofundamento da crise. Esse malogro reflete a predominância da teoria econômica convencional, que produziu "panelinhas" de pensamento padronizado no âmbito da comunidade mundial de bancos centrais. Em conseqüência, os bancos centrais não detectaram a emergência do tsunami financeiro, e mesmo depois que o abalo chegou, eles continuaram a combater a guerra contra a inflação.

O Banco Central Europeu (BCE) e o Banco da Inglaterra foram os piores, nesse aspecto. Isso não é de surpreender, pois os presidentes de bancos centrais europeus são os mais convencionais em sua maneira de pensar e têm se mostrado os mais obcecados com a inflação. Isso também explica porque a Europa Continental registra taxas de desemprego tão elevadas há tanto tempo.

O Conselho do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) fez um trabalho bem melhor, embora o Fed também tenha avançado aos trancos e barrancos, brincando repetidamente de "diminuir a distância" em relação a uma crise que persistentemente manteve-se um passo à frente das decisões de política monetária. Esse padrão reflete a obsessão do próprio Fed com a estabilidade de preços, que incentiva elevações preventivas dos juros para frear a inflação, mas restringe reduções preventivas equivalentes para debelar o desemprego.

Por isso, o Federal Reserve deixou sua taxa de juros inalterada durante o início do segundo semestre de 2008, apesar do colapso das gigantes financeiras habitacionais Fannie Mae e Freddie Mac, da falência do Lehman Brothers, da insolvência da AIG e do surgimento do contágio no mercado financeiro mundial. Além disso, a política do Fed permaneceu constante apesar da rápida deterioração na economia real dos Estados Unidos, manifesta na aceleração dos cortes de postos de trabalho e desemprego crescente.

Com o corte de juros coordenado agora realizado pelos principais bancos centrais do mundo, a política monetária recomeça a eliminar a defasagem - porém mais cortes são necessários. Embora o bicho-papão inflacionário pareça finalmente ter sido posto fora de combate, outro mito ainda precisa ser enfrentado - o de que o Fed e outros bancos centrais deveriam poupar sua munição para dias difíceis e, portanto, deveria evitar baixar os juros.

Existe um velho refrão que afirma a inutilidade de ações de política monetária em períodos de recessão, porque o efeito de cortes de juros assemelha-se a "empurrar com um barbante". Isso acontece quando confiança e riqueza foram destruídas, ponto em que cortes de juros tornam-se, efetivamente, inúteis.

Isso acontece porque a destruição da confiança debilita os "espíritos animais" do capitalismo: os tomadores de empréstimos não se dispõem a captar recursos e emprestadores não se dispõem a emprestar. A destruição de riqueza também elimina garantias, e assim, mesmo os que querem tomar empréstimos não podem fazê-lo. Enquanto isso, insolvências e retomadas de imóveis por falta de pagamento deflagradas por excessivo peso de juros não são revertidas por cortes de juros posteriores.

Por não agir oportunamente, os bancos centrais permitiram uma perigosa erosão da confiança e de riqueza, o que está criando condições em que será possível não mais do que "empurrar com o barbante". Felizmente, ainda há tempo para que corte decisivos de juros produzam um impacto vigoroso. Mas a janela de oportunidade está fechando rapidamente. Se os bancos centrais "pouparem sua munição" para algum momento futuro, poderão descobrir a inutilidade dessa munição. O tempo de disparar é agora.

Thomas Palley foi economista-chefe da Comissão de Reavaliação EUA-China para Economia e Segurança e é autor de Post-Keynesian Economics (Economia pós-keynesiana). © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. www.project-syndicate.org