Título: A alegria durou pouco
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Fonte: Valor Econômico, 16/10/2008, Investimento, p. D1

Durou pouco a euforia dos investidores com as bolsas de valores no mundo todo. Depois da disparada de segunda-feira, as bolsas voltaram a ter um dia de cão, com o Índice Bovespa chegando a cair quase 15% ao longo do dia, para fechar com perda de 11,39%, aos 36.833 pontos, a maior queda desde a crise da Rússia em 1998. Basicamente, o que acabou com a festa foram dados ruins da economia americana, que lembraram o mundo todo que a crise financeira pode caminhar para uma solução, mas seus efeitos na economia ainda vão começar a ser sentidos e eles não serão pequenos.

"O mercado agora está tentando medir o tamanho da recessão e por isso houve novo pânico", diz Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria. Mas Alessandra joga no time dos otimistas: ela acha que o mercado deve sair da situação de pânico nas próximas semanas à medida que os pacotes de ajuda aos bancos forem surtindo efeito. O pacote americano de compra de ativos podres e a estatização dos bancos na Europa começam este mês e isso deve debelar a crise de confiança nos bancos. "Com o governo como dono de tudo, não há como o banco quebrar, se precisar de dinheiro, ele imprime", resume. Mas o pânico pode voltar nas próximas semanas, desta vez pela via dos sinais de recessão nos Estados Unidos, Europa e Japão. "Vamos ter números terríveis de setembro e outubro, pois a crise bateu no crédito e deve atingir a atividade e o emprego."

Isso deve manter o mercado instável, não só na bolsa, como no câmbio. Para Alessandra, a cotação atual da bolsa reflete o pânico de investidores em mandar dinheiro para fora e não os fundamentos do país. "Pelo fundamento, o dólar deve recuar nas próximas semanas, especialmente se o Banco Central brasileiro ajudar vendendo mais moeda à vista", diz. A Tendências acha também que o BC deve parar com a alta dos juros já na próxima reunião, mantendo a Selic em 13,75% ao ano diante da forte desaceleração externa, que deve contaminar a economia local e ajudar a segurar a inflação.

Na bolsa, Alessandra nota que o Ibovespa está perto da mínima do ano, de 33.237 pontos em 10 de outubro, e tende a se recuperar para um nível mais perto dos 45 mil pontos aos primeiros sinais de fim do pânico dos mercados. "Mas a instabilidade vai ser forte, o investidor vai estar olhando diretamente o tamanho da recessão nos EUA e, por aqui, os resultados das empresas", diz.

Quem pensava que a turbulência tinha chegado ao fim se enganou redondamente, diz Sérgio Machado, sócio da Vetorial Asset Management. "A situação melhorou, principalmente pela "barrigada" do dólar, mas com esse grau de oscilação não dá para dizer que a crise acabou", diz. Para ele, o mercado saiu da encruzilhada entre o caos e a saída turbulenta. "Conseguimos achar a saída turbulenta, mas tem de ser muito macho para arriscar aplicar em bolsa e aguentar uma oscilação de 14% de alta num dia e 15% de baixa no outro", diz.

O mercado ainda está longe da solução dos problemas, avalia André Caminada, gestor da Victoire Finance Capital. "O doente fez várias pontes de safena e agora o coração está voltando a bater, mas não dá para ter alta", diz. Para ele, o mercado acionário está hoje em uma fase de negócios de curtíssimo prazo, o chamado "trading", onde o investidor compra e vende o papel no próprio dia. "Quem tem ações para o longo prazo, não se mexe, e quem faz o mercado são os giros diários". Isso acaba facilitando a oscilação mais forte, pois quando o mercado sobe, todos ficam esperando um sinal para vender, e vice-versa. Para Caminada, um sinal bom para a estabilização do mercado seria que as oscilações voltassem a ficar em torno de 1% ao dia. Aí o mercado poderia voltar a fazer as contas de acordo com os fundamentos das empresas. "Com essa volatilidade, não dá para usar fundamento", diz.

Para Caminada, é importante que o Brasil se destaque nos próximos seis meses entre os demais mercados. Esse descolamento garantiria a volta dos estrangeiros que saíram às pressas de todos os mercados emergentes. "A bolsa tem de se recuperar porque caiu demais e tem coisas realmente baratas", diz ele, que acredita em um Ibovespa na faixa dos 45 mil pontos, mesmo com o lucro das empresas locais se desacelerando.

Daqui para frente, bolsa vai depender mais de as medidas de ajuda aos bancos serem bem implementadas, e o mercado pode ficar em uma faixa entre 40 mil e 45 mil pontos, diz Alfredo Setubal, vice-presidente do Itaú. "Com a economia funcionando e o Brasil crescendo, a bolsa volta a subir, mas não para os 70 mil pontos, para isso vamos levar muito mais tempo", diz. Mais para o fim do ano, com os mercados se acalmando lá fora, o mercado de ações pode voltar a subir e o dólar cair. "Mas o fluxo de investimentos para o Brasil vai ser menor, e talvez a moeda fique entre R$ 1,90 e R$ 2,10 em uma situação de relativa normalidade", diz.