Título: Banco cobra 34% de spread no derivativo
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2008, Finanças, p. C3

Os bancos chegavam a ter ganhos imediatos de 34% em transações de empréstimos com derivativos acoplados, segundo cálculo feito por uma grande empresa que não aceitou fechar a transação. Em busca desse spread polpudo, financiamentos de altíssimo risco foram oferecidos pelos mais diferentes bancos inclusive às médias empresas. Por isso analistas de mercado têm chamado esses empréstimos de "subprime" brasileiro.

Nas cinco propostas feitas por cinco diferentes bancos às quais o Valor teve acesso, a complexa estrutura da transação não era explicitada ao possível tomador do empréstimo. Tesoureiro de uma grande empresa, no entanto, ao receber em janeiro a proposta de financiamento por meio de pré-pagamento à exportação de US$ 100 milhões resolveu olhar com calma. Acabou percebendo o risco que correria e o spread de 34% da transação. Ao questionar o banco, recebeu a resposta de que o risco do banco também era muito alto e por isso o spread era maior. Esse risco elevado e esse spread, no entanto, em nenhum momento foram explicitados na proposta de empréstimo feita à empresa.

Pela proposta, a empresa captaria US$ 100 milhões por cinco anos, com carência de três anos no pagamento de amortizações. Nos três primeiros anos de vida do empréstimo, a empresa pagaria ao banco a cada trimestre apenas a Libor, taxa interbancária de Londres, sem qualquer prêmio de risco. É a chamada "Libor careca", no jargão dos departamentos financeiros das empresas. Essa Libor seria fixa, de 3,5% ao ano. Além da Libor, a empresa pagaria um chamado "fator dólar", explicitado em uma fórmula. No quarto e no quinto ano do empréstimo, começariam as amortizações e a empresa pagaria Libor mais 1% ao ano.

Para saber quanto ganharia com o não-pagamento do prêmio de risco de 1% ao ano sobre a Libor durante os três primeiros anos de vida do empréstimo, a empresa considerou o "fator dólar" como 1. Os ganhos trazidos a valor presente seriam de US$ 2,7 milhões, calculou.

Foi olhar atentamente então o "fator dólar" na fórmula. Esse fator seria 1 se o dólar ficasse entre o intervalo de R$ 1,55 a R$ 2,30 no primeiro ano de vida útil do empréstimo, de R$ 1,55 a R$ 2,375 no segundo ano, e de R$ 1,55 a R$ 2,45 no terceiro ano. Se, a cada trimestre, na hora de pagamento dos juros do empréstimo, a taxa de câmbio saísse dessa faixa de segurança, a empresa teria de pagar um acréscimo pela diferença para mais ou menos.

O que o experiente tesoureiro acabou percebendo é que esse intervalo de segurança era montado com opções compradas pelo banco e vendidas pela empresa. A empresa estava vendendo acoplado com o crédito 12 lotes de US$ 100 milhões de opções de compra (call), cada lote vencendo no final de cada trimestre, e mais outros 12 lotes de US$ 100 milhões de opções de venda (put) de dólar. Estaria vendendo US$ 1,2 bilhão em opções de compra e US$ 1,2 bilhão em opções de venda.

Com essas opções, no final do primeiro trimestre, por exemplo, o banco teria o direito de vender US$ 100 milhões à empresa à cotação de R$ 1,55 e de comprar US$ 100 milhões da empresa à cotação de R$ 2,30. Se o dólar ficasse entre R$ 1,55 e R$ 2,30, o banco não teria interesse em exercer o seu direito e as opções virariam pó. Caso contrário, a empresa pagaria um valor de acordo com fórmula montada pelo banco.

Como percebeu que ia vender opções ao banco, o que não estava explícito na proposta, a empresa foi ao mercado ver o preço desses US$ 2,4 bilhões em opções naquele momento. Olhou as cotações na "Bloomberg" e pediu as cotações de três bancos concorrentes. Concluiu que receberia US$ 37 milhões por essas opções se fosse vendê-las no mercado.

Voltando ao cálculo inicial, o único ganho que a empresa tinha no empréstimo era o total de US$ 2,7 milhões com a "Libor careca" - o não-pagamento do prêmio de risco de crédito nos três primeiros anos de sua vida útil. Mas a empresa estava vendendo opções que valiam US$ 37 milhões. O banco estava ganhando de imediato US$ 34 milhões, a diferença entre o ganho da empresa e o preço das opções no mercado. O tesoureiro concluiu que o "spread bancário líquido" da transação era de 34%.

A empresa não fez a transação e evitou perdas de US$ 300 milhões a US$ 400 milhões agora com essas opções. Dada a geração de caixa dessa empresa, em torno de R$ 2,7 bilhões ao ano, se a empresa tivesse fechado essa operação é possível que, considerando-se o tamanho da crise, ela estivesse em situação complicada, próxima à insolvência.

O especialista lembra que ao lidar com opções é preciso ter em mente que não apenas as que estão vencendo são motivo de preocupação, com impacto mais imediato no caixa da companhia. As perdas também não se limitam aos ajustes diários ou à necessidade de maior chamada de margens de garantia. Para as empresas maiores, é necessário marcar essas opções a preços de mercado, o que pode trazer uma perda substancial de patrimônio para a companhia.

O mesmo especialista lembra que não apenas a cotação do dólar futuro e à vista impacta o preço das opções, mas também a volatilidade. Ao vender opções, as empresas estão na verdade vendendo volatilidade. E quando a volatilidade explode, como neste momento, a situação fica bastante complicada.

Segundo esse especialista, uma empresa deve comprar opções (nas quais as perdas são limitadas ao seu preço, chamado de prêmio), e nunca vendê-las, pois a possibilidade de perda é infinita. No entanto, os bancos não deixavam claro como estruturavam os empréstimos com custo aparentemente menor. Especialistas acreditam que as autoridades reguladoras no Brasil deveriam exigir não apenas mais transparência nos balanços das empresas no que diz respeito a derivativos, mas também exigir dos bancos que expliquem as complexas estruturas embutidas nos empréstimos e também em transações de hedge (proteção) contra oscilações no câmbio. Parece que muitas empresas médias e até mesmo maiores nem sequer entenderam todos os riscos que estavam embutidos no pacote de crédito.

Houve também inúmeras empresas que fizeram transações de hedge (proteção) contra oscilações cambiais "turbinadas" com opções, uma das quais chamada de "target forward", admitida pela Aracruz, que anunciou prejuízo potencial total de R$ 1,95 bilhão. Três outras empresas grandes reconheceram perdas com derivativos de câmbio na crise: a Sadia, que perdeu R$ 760 milhões, o Grupo Votorantim, que teve custo de R$ 2,2 bilhões ao vender opções, e a Embraer, que admitiu as perdas de R$ 173 milhões. Empresas menores e financeiras estão renegociando suas dívidas e brigando na Justiça e têm conseguido liminares.