Título: Regulação será mais rígida no mundo todo
Autor: Guimarães, Heloisa
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2008, Finanças, p. C14

É inexorável a criação de medidas para regulação e fiscalização do sistema financeiro, o que já começa acontecer tanto na Europa como nos Estados Unidos, mas a questão é "não errar a mão" para que o setor não perca a criatividade e reduza sua capacidade de irrigar crédito na economia, avalia o professor Aloísio Araújo economista e especialista em regulação. Leo Pinheiro / Valor RJ O economista Aloísio Araújo: "O Brasil tem um sistema que foi muito melhorado depois da crise bancária do Plano Real"

O professor da Escola de Pós-Graduação da FGV-RJ e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, Araújo acredita que a tendência da Europa é de uma ação regulatória integrada e que o movimento tende a criar ações de âmbito internacional. "Não se trata de uma integração definitiva por que é meio utópico. Mas algum tipo de conversas maiores já existem e serão reforçadas", afirma. A seguir, os principais trechos da conversa de Araújo com o Valor:

Valor: Tanto a Europa quanto os Estados Unidos começam a trabalhar em modelo regulatório e fiscalizador mais efetivo para área financeira. Já deviam ter feito há mais tempo?

Aloísio Araújo: Sem dúvida. Os Estados Unidos preferiam claramente uma atitude de deixar o mercado se resolver mais sozinho. Optaram por um padrão em que a autoridade monitorava e, se o banco estivesse perdendo muito capital, ele mesmo se reajustava . Essa idéia de que os bancos se auto regulam, digamos assim, vai ser abandonada. E o espectro dessa regulação vai ser muito mais ampliado.

O cuidado tem que ser de não errar na mão. No setor financeiro é extremamente importante operar com certo grau de liberdade, pois isso cria valor para a sociedade. O risco é ir de uma situação de crise para outro extremo. Mas temos que ir para muito mais regulação do que havia antigamente.

Valor: Como definir um padrão regulatório?

Araújo: Tem certas coisas nos Estados Unidos são muito óbvias. A regulação, que já era pouca, diminuiu mais ainda em 2004. Até por iniciativa do (Henry) Paulson (secretário do Tesouro), quando ele era da Goldman Sachs.

Pode se ter virtudes com regulação menor, porque dá mais liberdade ao sistema financeiro e gera mais crédito. O sistema financeiro tem investimentos de uma certa maturidade e transforma outros de maturidade distinta. Cria liquidez, o que é essencial à economia. O que se quer é preservar essa facilidade do sistema financeiro sem que esteja associada a ela toda as fragilidades.

Então, será preciso controlá-las porque podem se transformar em risco sistêmico e que levam a perdas sociais muito grandes. Sempre que se tem tais perdas, provocadas de um banco para outro, é justificável fugir do padrão puramente liberal.

Quando uma fabrica de geladeiras quebra, ela vai melhorar vida da outra fábrica de geladeira. A maioria das atividades econômicas é assim. Neste caso a atividade regulatória é muito menos justificável. Já no caso do sistema financeiro é diferente, um pode provocar a piora da situação do outro e o sistema como um todo diminui o crédito na economia reduzindo a atividade econômica.

Por isso um Milton Freidman, liberal muito marcado, não aceitava a liberdade total do mercado financeiro. É diferente do (Friedrich) Hayek. Ele achava que o próprio sistema se auto regenerava. Tenho certeza que o sistema financeiro seria capaz de criar soluções por si, só que demoraria muito tempo e causaria muito desemprego nesse período. A sociedade não quer pagar esse preço.

Valor: E na Europa? O movimento é de ação conjunta já começou.

Araújo: Acho que o problema europeu é muito diferente. A União Européia não unificou o seu sistema de regulação e supervisão bancária até porque seria difícil fazê-lo com legislações muito diferentes. Em segundo lugar, os bancos centrais nacionais passaram a não ter tanta serventia com a política monetária comum. Eles ficaram cada um fazendo sua própria regulação e supervisão bancária, o que não faz o menor sentido porque a União Européia está muito integrada. Fazia sentido no começo quando os bancos eram nacionais mas quando passaram a ser supranacionais ficou antiquado.

Essa crise vai provocar uma melhoria do sistema, o que deveria ter sido feito de qualquer jeito. Acho que na Europa ainda vai ter controle maior ainda. Lá a questão regulatória tem que estar unificada. É por ai que vai se caminhar. Acabou que tiveram que salvar bancos juntos.

Alguma coisa no nível em âmbito internacional vai acontecer. Não uma integração definitiva por que é meio utópico. Mas algum tipo de conversas maiores já existem mas serão reforçadas.

Valor: A regulação vem mais forte em todo mundo?

Araújo: A regulação vem mais forte mas tem que ser inteligente por que tem algo de positivo na criação de crédito e liquidez. Não haverá geração de tanto crédito se sistema ficara totalmente engessada. Enquanto os bancos não tiverem chance zero de ter um problema de solvência isso vai gerar muito menos crédito, vai ser menos interessante para e economia, vai perder do outro lado. Esse balanço de criação do mercado de crédito e controle sobre o problema de insolvência tem que ser feito com habilidade porque obviamente a situação anterior era muito no sentido de pouco peso no controle da solvência principalmente nos bancos de investimento que tomaram empréstimo de muito curto prazo, custo de capital muito barato, fazendo investimentos arriscados e de prazo maior. Eles alavancaram trinta e tantas vezes o capital. Basiléia recomenda duas vezes e meia. O Brasil só deixa nove. Muitos bancos operam com valores menores ainda.

Valor: A volatilidade das bolsas continua, é possível prever um prazo desse cenário?

Araújo: É difícil prever. As medidas mais fortes poderiam ter vindo com mais rapidez. A cada informação nova, o mercado demora um tempo para digerir porque são muito complexas. Agora o que se tem em mente é que comprar apenas os ativos podres não é suficiente. Trata-se de uma quantidade muito grande e definir o preço é muito difícil. É mais fácil atuar via capitalização de banco. Mas qual é o tamanho da capitalização suficiente? Não se sabe, pois todos esses derivativos são uma grande incógnita.

A outra questão é até que ponto os preços dos imóveis vão cair nos Estados Unidos e qual é o impacto disso na recessão. Vai haver certamente recessão. Mas já ficou claro que os economistas aprenderam com a crise de 1929 e a sociedade também. Ninguém quer repetir 1929. Existem instrumentos para isso, o que não se sabe é quanto vai custar.

Algumas crises bancárias já custaram percentuais muito elevados do PIB. Nos Estados Unidos se fala em 15%, 20%. Parte é recuperável, metade ou três quartos. Talvez tenha que haver um investimento maior nestes bancos e depois com a venda a sociedade recupera.

Devemos ter alguns meses de volatilidade, mas é difícil prever exatamente o que vai acontecer. A recessão vai vir certamente no ano que vem. No setor real é outra coisa, é mais lento.

Valor: E o Brasil? Ainda precisam ser feitos ajustes nessa área regulatória?

Araújo: Durante a crise, o Banco Central tem feito coisas muito importantes, como a diminuição dos depósitos compulsórios, que estavam muito acima do mundo como herança da inflação. O compulsório é um mecanismo relativamente fácil de se utilizar, adequado e importante que está à disposição do Banco Central. É até mais fácil que o redesconto, que melhora a liquidez. Outra medida importante foi o crédito aos exportadores, já que houve o ajuste do dólar e havia muitos derivativos associados, o que é sempre um fator de preocupação. Acho a Medida Provisória (MP442) interessante porque permite o Banco central comprar crédito de bancos em dificuldades, o mesmo que o Federal Reserve está fazendo nos Estados Unidos. Acho que no Brasil o BC não devia fazer essas operações diretamente e sim através de operações de seguro de crédito, que não envolve operacionalmente tanto a autoridade monetária. Essas operações ainda não estão sendo realizadas, mas podem ser necessárias.

O Brasil está bem. O país tem um sistema que foi muito melhorado depois da crise bancária que veio depois do Plano Real. Isso ajuda muito numa hora dessas, assim como a existência de um fundo garantidor de crédito, mecanismo que é muito mais rápido, operacional e que age mais à frente.