Título: Há travas para socorro do governo
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 17/10/2008, Agronegócios, p. B10

Prejudicado pelos efeitos colaterais da renegociação das dívidas rurais e pelo "estouro" dos limites individuais de crédito dos produtores, que tem contribuído para inibir a oferta de recursos ao campo, o recente pacote do governo criado para irrigar o sistema de crédito rural tende a ser neutralizado por questões operacionais e a aversão dos bancos aos riscos inerentes ao setor.

Insatisfeitas com as ações anunciadas até agora pelo governo, as instituições financeiras estimam que boa parte dos recursos previstos no pacote de R$ 9,1 bilhões acabará "esterilizada" nos cofres do Banco Central. Os bancos pediram uma injeção de recursos "na veia", mas consideram "tímidas" as medidas do governo. Os bancos estariam "sobreaplicados" no crédito rural e teriam dificuldades para engrossar seus empréstimos ao campo a partir da elevação da parcela de aplicação obrigatória no campo (exigibilidades) de 25% para 30% sobre os depósitos à vista. Dessa medida, estima o governo, poderiam sair R$ 5,5 bilhões adicionais para o setor rural.

Mas uma "punição" imposta pelo próprio governo antes mesmo do início da atual crise financeira mundial estaria impedindo o sucesso da iniciativa. "Boa parte dos bancos está sobreaplicada porque o governo determinou o cumprimento das "deficiência" de anos anteriores nesta safra atual", explica o diretor da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Ademiro Vian.

As "deficiências" são as sobras das exigibilidades que os bancos são obrigados a recolher, sem remuneração, no BC. Ou seja, as instituições financeiras já emprestaram além dos 25% obrigatórios e, para cumprir as "deficiências" anteriores, também estariam acima dos 30% de exigibilidades. "O que exceder a isso [30%], os bancos vão recolher ao BC, e não voltará ao sistema", diz Vian. O governo calcula, entretanto, que a média das aplicações dos bancos no setor está em 26,5%. Haveria, portanto, um bom espaço para ampliação dos empréstimos ao campo.

Nem mesmo a redução de 45% para 42% nos depósitos compulsórios, que poderia render R$ 3,6 bilhões adicionais ao campo, devem resolver os problemas do crédito, avaliam as instituições financeiras. Isso porque a demanda está concentrada em poucos bancos, mas os recursos são limitados por instituição.

"Onde há demanda forte, as limitações legais impedem um fluxo maior de aplicações", diz um executivo da área financeira. E nos bancos onde há pouca demanda, sobretudo em pequenas e médias instituições, os recursos devem acabar recolhidos ao BC. "São questões operacionais que o governo não considerou quando tomou uma decisão linear". A aversão generalizada ao risco, em meio ao pânico financeiro global, também complica a situação.

O governo acredita que as recentes medidas são suficientes para atender ao setor. Mas não descarta novas ações para garantir a "fluidez do crédito" no momento em que os produtores demandam crédito para quitar dívidas de custeio contratadas antes do início da safra. "Se surgirem ainda questões pontuais, elas serão analisadas. E o governo vai adotar os instrumentos que têm disponíveis", reiterou, em nota, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes. Na próxima semana, o governo fará uma análise dos impactos das medidas do pacote rural.