Título: Barreiras argentinas podem afetar o Brasil
Autor: Rocha, Janes; Maia, Samantha
Fonte: Valor Econômico, 17/10/2008, Brasil, p. A4

Direção Geral de Aduanas (DGA) da Argentina divulgou ontem uma lista de pouco mais de 21,6 mil produtos de importação que serão submetidos ao sistema de valor-critério antes da entrada no país. O valor-critério é um preço mínimo estabelecido para cada produto de acordo com algumas referências, como o preço médio de produtos equivalentes vendidos por determinado fornecedor nos últimos dois ou três anos, ou o preço praticado pelo mesmo fornecedor em outros mercados. Funciona como um "filtro" para impedir a entrada no país de produtos excessivamente baratos, que prejudicam a indústria local.

Segundo explicou a assessoria de comunicação da DGA, o procedimento segue as normas estabelecidas pela Organização Mundial de Aduanas, também é adotado pelo Brasil e foi comunicado aos parceiros do Mercosul antes de ser aplicado. A lista inclui itens nos segmentos de artigos de couro, tecidos, fibras e fios têxteis sintéticos e de algodão, confecções, pneus e câmaras, tubos de aço, equipamentos elétricos e eletrônicos, eletrodomésticos, calçados e brinquedos. Também incorpora 120 produtos dos segmentos metalúrgico, têxtil e de autopeças que não tinham valores-critério estabelecidos antes e agora passam a ter.

A medida, que atinge cerca de 50% da pauta de produtos importados pela Argentina, foi tomada para evitar a entrada de produtos subfaturados. Embora a maior parte (70%) dos produtos marcados com valores-critério sejam procedentes de dez países asiáticos, a DGA admite que parte da lista poderá afetar o Brasil, mas apenas nos casos de subfaturamento. Um exemplo são camisetas que chegam ao país procedentes de países asiáticos com preço abaixo de US$ 0,15 a unidade. Segundo a DGA, nenhum exportador brasileiro consegue vender camisetas por esse preço e só é possível com fabricantes sediados em países onde se usa trabalho infantil, entre outras irregularidades.

A diretora geral da DGA, Silvina Tirabassi, garantiu que o controle não se dirige a qualquer país em específico, porque classifica os produtos por preço e não por origem. Segundo ela, é um mecanismo preventivo contra possível invasão de produtos importados de países que antes vendiam nos EUA e Europa e agora não conseguem mais vender por causa da crise financeira internacional.

José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), diz que não há como garantir que o controle da Argentina sobre produtos estrangeiros não afetará o Brasil, mas por ser uma medida generalizada não pode ser considerada ilegal. "Claro que afeta o Brasil, e isso é um constrangimento para a Argentina. Mas é correto fazer uma medida geral, discriminar países seria ilegal", diz ele.

Para o executivo, embora se saiba que os países asiáticos tentarão compensar a perda dos mercados dos EUA e europeu, que se retraíram por conta da crise, o argumento não convence para explicar a decisão argentina. "É possível entender a atitude da Argentina caso ela esteja tentando se prevenir contra o risco de, com o déficit da balança comercial, ficar sem divisas", diz.

Ele explica que, como a Argentina é grande exportadora de commodities, a desvalorização desses produtos deve reduzir fortemente a receita de exportações. Isso força o país a cortar importações para evitar ficar sem divisas. "O controle é uma medida preventiva, afinal de contas há seis anos a Argentina estava em moratória, e sem acesso ao mercado internacional", diz.

Segundo Castro, em 2009 o Brasil já terá queda de exportações para a Argentina por conta da diminuição da demanda. Se o Brasil for afetado pela medida de controle da Argentina, Castro não acredita que haverá contestações. "O Brasil não deve contestar por questões políticas", diz. Ele acredita que o impacto sobre o Brasil poderá ser limitado, já que os dois países acabaram de adotar as moedas nacionais no comércio. "Se a intenção da Argentina é proteger divisas, o Brasil não deve ser afetado, mas ela tem que ser clara, abrir o jogo." O risco de a Argentina ser contestada na Organização Mundial do Comércio (OMC) deverá vir de outros países que se sentirem prejudicados. "Se alguém se sentir prejudicado, vai reclamar na OMC", diz Castro.