Título: Dólar foi bem durante turbulência, mas alta pode estar perto do fim
Autor: Slater, Joanna
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2008, The Wall Street Journal Americas, p. C4

Os Estados Unidos podem estar na pior crise financeira desde a Grande Depressão dos anos 30, mas nem dá para perceber observando o dólar.

Em vez de afundar depois do resgate do setor financeiro, a moeda americana está forte. É uma surpresa para muita gente que esperava que o aumento dos gastos públicos e o enfraquecimento da economia americana fossem aleijar a moeda.

Em vez disso, o dólar se beneficiou do rápido abandono de ativos arriscados e do desmanche de investimentos feitos com dinheiro emprestado. A amplitude da crise também ajudou: está claro que os problemas econômicos e bancários não são exclusivos dos EUA.

"A força do dólar me surpreendeu", diz Barry Eichengreen, economista da Universidade da Califórnia em Berkeley. "Não há muitas outras alternativas atraentes no momento."

Desde o início de setembro, o dólar subiu 8% diante de uma cesta de 26 moedas ponderada pelo volume de comércio, segundo índice do banco central americano, o Federal Reserve. O índice está mais ou menos no nível de fevereiro de 2007, o que na prática elimina a queda da moeda desde então, que foi afetada pela quebra do banco de investimentos Bear Stearns Cos. e vários cortes de juros pelo Fed.

O dólar subiu tão depressa que os investidores alertam que pode estar na hora de tomar um fôlego. Assim como a moeda se beneficiou com o tumulto nos mercados mundiais, uma estabilização pode fazê-lo perder alguns ganhos recentes.

A longo prazo, a saúde do dólar continua a depender do apetite estrangeiro por ativos dos EUA, e este pode ser testado pelos tropeços da economia e o aumento dos gastos do governo. Por enquanto, a moeda americana se mostrou resistente, confirmando a opinião dos que dizem que sua longa queda chegou ao piso alguns meses atrás.

A recente subida do dólar faz parte de uma enorme reversão de tendências de investimento, como a de investir em bolsas de valores de mercados emergentes ou apostar na alta das commodities. Quando os investidores recuam de aplicações como essas, geralmente as vendem em troca de dólares.

Depois de anos mandando dinheiro para o exterior, os investidores americanos agora o estão trazendo para casa. Em julho e agosto, meses mais recentes com dados disponíveis do Departamento do Tesouro, os investidores americanos venderam US$ 57 bilhões mais em ações estrangeiras do que compraram - a maior repatriação já registrada.

A moeda americana também se fortaleceu porque os bancos, da Coréia do Sul à Suíça, estão se debatendo por dólares, depois que os canais normais de empréstimo entre essas instituições praticamente se fecharam no último mês. O dólar continua sendo a moeda mais popular entre os bancos mundiais, respondendo por 55% dos ativos e obrigações que eles têm em moeda estrangeira, segundo o Banco de Compensações Internacionais.

Alguns investidores dizem que o apetite por dólares é semelhante ao pela moeda japonesa, que é a grande exceção à tendência de fortalecimento do dólar. Geralmente o iene se dá bem em meio a tumultos econômicos porque, em tempos melhores, os investidores tomam empréstimos nessa moeda para aproveitar os juros superbaixos do Japão.

Quando a volatilidade aumenta ou os investidores precisam cobrir prejuízos em algum outro lugar, eles desmontam essas manobras - conhecidas como "carry trades" - e compram iene de novo, fortalecendo a moeda japonesa. A julgar pela recente demanda por dólares, parece que os investidores, fundos de hedge e bancos têm usado o dólar como moeda de financiamento, mais ou menos como o iene.

Em meio à convulsão econômica, os investidores também têm buscado títulos do Tesouro dos EUA como proteção. A demanda de bancos centrais estrangeiros é especialmente importante, pois eles são um enorme cliente da dívida americana. Uma medida dessa demanda é o volume de títulos do Tesouro mantidos pelo Fed em nome de outros bancos centrais. Os dados mais recentes mostram que esse volume aumentou em torno de US$ 100 bilhões nas últimas quatro semanas.

Isso é sinal de confiança estrangeira, o que é fundamental para o sistema financeiro dos EUA. Se os estrangeiros parassem de adquirir ativos americanos ou começassem a vendê-los, o dólar despencaria e os juros iriam às alturas, numa nova surra para a já debilitada economia.

Alguns investidores temem que o custo do resgate do setor financeiro americano vá acabar pesando sobre o dólar, mas os economistas observam que o impacto final ainda não está claro. Em relação ao produto interno bruto, a dívida pública dos EUA é moderada em comparação com países como Japão e Itália, e pouco menor que na Alemanha.

Muito mais importante que a saúde do dólar, dizem os economistas, é o atual déficit de conta corrente, uma ampla medida de quanto dinheiro entra e sai no país. Essa medida melhorou, mas ainda tem muito pela frente. O Fundo Monteário Internacional calcula que o atual déficit vai diminuir para 3,3% do PIB no ano que vem, em comparação a 6% em 2006.

Se o tumulto dos mercados se acalmar, os investidores poderão se concentrar novamente nas perspectivas de crescimento da economia americana em comparação com as maiores rivais dela. Ao contrário de outros bancos centrais, o Fed começou, mais de um ano atrás, a baixar os juros, o que castigou o dólar.