Título: Crise policial sela afastamento entre Serra e as centrais sindicais
Autor: Felício, César; Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2008, Política, p. A9

O conflito entre os policiais civis e militares nos arredores do Palácio dos Bandeirantes, na semana passada, foi o clímax de um processo de afastamento entre o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e aquele que já foi principal aliado no meio sindical, a Força Sindical, comandada pelo deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho. Arriscado a perder o mandato na Câmara devido a processo por quebra de decoro, Paulinho atribui ao tucano as denúncias que colocaram seu mandato em risco. Já aliados do governador afirmam que Paulinho insuflou os grevistas a radicalizar o conflito, para prejudicar Serra nas eleições deste ano. A estratégia seria para garantir o apoio da base governista para a rejeição de sua cassação.

"Ele está prestando serviço ao governo federal, ao PT, à candidatura de Marta Suplicy para salvar seu mandato", disse o vice-governador Alberto Goldman, referindo-se à candidata petista em São Paulo, que está em segundo lugar nas pesquisas. "Agora vai ficar claro quem sempre esteve por trás de toda a onda de denúncias sórdidas contra mim", afirmou o deputado.

O governo do Estado como um todo, aliás, veio a público vincular o conflito policial a ações supostamente orquestradas pelo PT, CUT e Força Sindical. Isso provocou forte reação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No sábado, em ato da campanha de Marta Lula disse que Serra deveria pedir desculpas por suas declarações nesse sentido. Serra, antes, acusou o PT e a campanha de Marta de terem articulado a manifestação da polícia, que terminou com pelo menos 24 pessoas feridas. O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra, chegou a comparar o episódio aos ataques do grupo criminoso PCC, em 2006, e disse que, na época, também havia motivação política nos ataques. Serra acumulou novo desgaste, todavia, no dia seguinte ao confronto, quando o seqüestro da jovem Eloá Cristina Pimentel, em Santo André, resultou na sua morte, depois de quase cinco dias de infrutíferas negociações da polícia com o seqüestrador.

A proximidade entre Serra e Paulinho traduziu-se em apoio político e cargos enquanto existiu, mas durou pouco. Em 2002, os dois se enfrentaram na eleição. Serra era candidato a presidente e Paulinho, a vice de Ciro Gomes na coligação PPS/PTB/PDT. No segundo turno, Paulinho ficou com Lula. Dois anos depois, voltaram a se enfrentar na eleição municipal em São Paulo. No segundo turno, o sindicalista apoiou o tucano, em troca da secretaria municipal do Trabalho. Na eleição de 2006, Paulinho apoiou a candidatura presidencial de Cristovam Buarque (PDT) no primeiro turno e, no segundo, a de Geraldo Alckmin (PSDB). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocou a Força Sindical dentro do governo quando nomeou o PDT, Carlos Lupi, ministro do Trabalho. Foi aí que Paulinho e Serra começaram a se afastar.

A ruptura definitiva ocorreu no momento em que o Ministério do Trabalho reabriu a possibilidade de estabelecer convênios diretamente com entidades sindicais e organizações não-governamentais. Aliados do prefeito Gilberto Kassab (DEM) afirmam que, em um primeiro momento, R$ 14 milhões foram cortados da prefeitura e passados para entidades vinculadas à Força. Atualmente, não há programas conjuntos do ministério nem com a secretaria estadual paulista, nem com a municipal paulistana.

"Depois de tentar cooptar os quadros do partido, eles detonaram tudo, transformando as decisões do ministério em motivo de escândalo. Não tenho dúvidas de que toda a pressão contra mim e o Lupi começou dele", disse Paulinho, referindo-se a Serra. A suspeita de direcionamento político dos convênios do Ministério do Trabalho, contudo, não é a única denúncia que pesa contra ele. A Operação Santa Tereza, da Polícia Federal, investigou fraudes na concessão de empréstimos do BNDES. Paulinho foi citado em gravações.

No governo estadual, Serra manteve a centralização das negociações salariais de toda máquina na Comissão de Política Salarial, um colegiado de secretários criado no governo de Mário Covas (1995-2001). Exercitou uma política de ajuste fiscal, com corte de 4,2 mil cargos em comissão, congelamento de contratações , subordinação de todos os gastos de universidades ao Siafem, o sistema de controle orçamentário estadual, e adotou mão-de-ferro em movimentos grevistas. Resistiu a abrir negociações com funcionários de universidades públicas e puniu metroviários com demissões. Mas cedeu diante de uma greve de 19 dias dos trabalhadores da saúde, em julho de 2007.

Inovou ao criar secretaria específica para isso, a de Gestão Pública, e evitar encontros e conversações que envolvessem centrais sindicais. Nem mesmo ao adotar medidas de caráter positivo para os trabalhadores, como o salário mínimo regional acima do nacional, o governador buscou associar-se às centrais. "Nós nunca fomos recebidos", diz Paulinho. A CUT foi recebida uma vez.

"Foi uma reunião convocada às pressas, à noite, sem cobertura da imprensa", contou o presidente da CUT estadual, Edilson de Paula. "O governador nos recebeu, nos ouviu, protocolou nossas reivindicações e ficou só nisso". Isso aconteceu em 2007, quando o governo estadual iniciou estudos sobre a avaliação do valor de mercado das empresas estatais. Segundo o dirigente, a audiência buscava conter os protestos antiprivatização feitos pela central.

No período em que Serra foi prefeito de São Paulo, entre 2005 e março de 2006, Edilson diz que a CUT jamais foi recebida "Não existe a tradição de negociar com o governo. "Ele não nos leva muito a sério. Serra não quer negociar e me causa estranhamento ele falar agora que a greve tem cunho político. Isso mostra o descaso do governo com o funcionalismo", analisou.

As conversas do governo estadual com sindicalistas ficaram confinadas ao gabinete do secretário de Gestão Pública, Sidney Beraldo, que manteve 60 encontros desta natureza desde que assumiu. Mas sempre com entidades diretamente representantes de categorias de trabalhadores, para discutir pautas específicas. As centrais sindicais jamais foram interlocutoras. Segundo a assessoria de imprensa, também nunca pediram audiência nesta condição.

Na secretaria de Emprego e Relações de Trabalho, as centrais também perderam poder no governo Serra, sobretudo a Força. Solidamente vinculada ao PT, a CUT sempre manteve distância do governo estadual. Logo ao empossar Guilherme Afif Domingos, do DEM, como secretário, Serra determinou a criação de um grupo de trabalho para rever todos os convênios da secretaria com organizações não-governamentais para a qualificação de mão de obra. O resultado foi o cancelamento de todos os convênios. Hoje os programas de requalificação são feitos pelo Centro Paula Souza, do Estado, além de entidades como o Senai e o Senac. Algumas entidades desalojadas tinham ligações com Paulinho. Mas o principal atingido foi o PTB, que controlou a pasta no governo de Geraldo Alckmin (PSDB).