Título: China dá sinais de ser incapaz de carregar economia global sozinha
Autor: Batson, Andrew; Johnson, Ian
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2008, The Wall Street Journal Americas, p. C4
A economia da China está esfriando mais rapidamente do que muitos esperavam, reduzindo as esperanças de que a demanda do país possa ajudar a manter o ritmo da economia mundial mesmo com a crise financeira que assola os países desenvolvidos.
A agência de estatísticas da China informou ontem que o crescimento econômico desacelerou no terceiro trimestre para 9% em relação ao mesmo período de um ano antes, ante 10,1% no segundo trimestre e 10,6% no primeiro. O crescimento no ano está agora em 9,9%, e com a continuação do desaquecimento é provável que a China registre seu primeiro ano de expansão abaixo de 10% desde 2002, e muitos economistas prevêem que caia a até 8% no ano que vem.
As exportações estão em rápido declínio por causa da queda na demanda de grandes clientes como os EUA e a Europa. Isso acontece ao mesmo tempo em que uma queda no mercado imobiliário chinês ameaça impor outro fardo ao crescimento.
Embora o sistema financeiro chinês continue de maneira geral protegido do aperto de crédito, "Tudo está se mexendo na direção errada em termos de sustentação do crescimento", diz Nicholas Lardy, do Instituto Petersen de Economia Internacional.
A China já cortou as taxas de juros duas vezes desde setembro. Os números recentes abaixo do esperado devem acelerar os esforços do governo de sustentar a expansão. Domingo à noite, o Conselho de Estado, o mais alto organismo do governo chinês, soltou um comunicado dizendo que vai "em breve divulgar medidas tributárias, de crédito e comerciais para continuar a manter o rápido e estável crescimento da economia". Além de novos cortes de juros e estímulos fiscais para os exportadores, analistas esperam que o governo olhe para a infra-estrutura e o mercado imobiliário como meio de dar um impulso ao crescimento - da mesma maneira que fez em 1998, quanto tentava se proteger da crise financeira asiática.
"A crise financeira mundial já desferiu um duro golpe na confiança do investidor e do consumidor em muitos países ao redor do mundo, e a China não é uma exceção", disse Li Xiaochao, porta-voz da Agência Nacional de Estatísticas.
As empresas que se beneficiaram do rápido crescimento chinês - de fornecedores de matérias-primas do Brasil a fabricantes de máquinas da Alemanha e produtores de equipamento de construção do Japão - têm sentido o impacto. Os preços das commodities mergulharam nas últimas semanas à medida que os mercados reduziam as perspectivas tanto para a expansão chinesa quanto para a demanda de países ricos como Estados Unidos e Japão.
A desaceleração ilustra como, apesar de todo seu impressionante crescimento nos últimos anos, a China ainda tem de alcançar a escala necessária para mover sozinha a economia mundial. A China é o 100º país no mundo em renda per capita e responde por 6% da economia global pelo câmbio de mercado. Se os números forem ajustados para paridade de poder de compra, como muitos economistas preferem, a China ainda corresponde a apenas cerca de 10% da economia mundial.
Embora o investimento em infra-estrutura continue a aumentar, e o consumo das famílias tenha resistido bem, um desaquecimento geral parece provável. Fechamentos de fábricas para a Olimpíada de Pequim levaram a culpa pelos fracos dados de agosto, mas uma desaceleração maior na produção de setembro sugere que a fraqueza estava mais disseminada.
O crescimento chinês, é fato, continua extraordinariamente alto pelos padrões mundiais e parece provável que continue assim. Mas a demanda interna do país simplesmente não é grande o bastante para substituir o enorme papel exercido pelos EUA. Enquanto o 1,3 bilhão de chineses consumiu cerca de US$ 1,2 trilhão no ano passado, os 300 milhões de americanos consumiram US$ 9,7 trilhões.
A China continua sendo grande exportadora líquida: de janeiro a setembro, por exemplo, ela exportou US$ 181 bilhões mais do que importou.
"A conta simplesmente não fecha", diz Stephen Roach, presidente do Morgan Stanley na Ásia. "A China ainda é um país relativamente pobre. Eles podem ser capazes de amortecer o impacto um pouco, mas não muito."
Para quem produz os bens de que a China necessita - principalmente matérias-primas e máquinas para construir suas casas e fábricas -, o boom chinês foi uma dádiva. A Alemanha, por exemplo, manteve o título de maior país exportador do mundo em parte por causa da venda de equipamento industrial para a China.
De acordo com estatísticas setoriais alemãs, as exportações à China de máquinas e peças subiram 20% nos primeiros sete meses do ano, ante igual período de 2007. Isso faz da China o segundo mercado mais importante para o maquinário alemão, depois dos EUA. "A China tem sua própria dinâmica", diz Olaf Wortmann, um economista da associação de engenharia VDMA, que acredita que o crescimento das exportações para o mercado chinês possa ficar na faixa de 10%, mesmo com o desaquecimento.
Isso é boa notícia diante do freio na economia mundial. Mas a demanda chinesa tem seus limites. A China é um grande comprador de equipamento industrial alemão, mas não de outros produtos da Alemanha. De maneira geral, a China é apenas o 11º maior mercado da Alemanha - meros 3% do total de exportações do país, 969 bilhões de euros, no ano passado. Isso, claramente, não é o suficiente para impulsionar toda a economia: o crescimento da Alemanha está caindo abaixo de 2% este ano e deve ser de zero no ano que vem.
Como os ganhadores do boom chinês ficaram, de maneira desproporcional, em empresas atreladas ao ciclo da construção e do investimento, a atual desaceleração no mercado imobiliário está tendo um impacto bem maior nesses setores. Com a queda nas vendas de imóveis residenciais e o engavetamento de novos projetos dos incorporadores, a demanda pelo aço, cimento e cobre que vão nos novos prédios enfraqueceu. Os preços internos do aço na China caíram nas últimas semanas, e alguns produtores menores estão fechando as portas. A FerroChina Ltd., uma siderúrgica com ações registradas em Cingapura, entrou em concordata este mês, depois de não conseguir pagar seus credores.
O desaquecimento chinês está forçando ajustes nos países vizinhos. A Tosoh Corp., uma produtora japonesa de químicos, cortou sua produção de policloreto de vinila - o material de construção plástico mais conhecido como PVC - em 15% a partir de setembro. Foi a primeira medida dessas da Tosoh em dez anos, e a empresa citou como motivo uma forte queda na demanda da China.
Por um tempo, as encomendas por máquinas-ferramenta japonesas de economias em desenvolvimento vinham ajudando o setor a compensar a fraqueza de seu mercado doméstico e nos EUA e na Europa. Mas, depois de cair por três meses este ano, as encomendas da China despencaram 24,6% em setembro, de acordo com a Associação dos Fabricantes de Máquinas-Ferramenta do Japão. As ações da Komatsu, a maior empresa do setor no país, caíram quase 70% desde seu recorde em junho.
Li, da agência de estatísticas da China, diz acreditar que a crise financeira internacional terá mais conseqüências sobre o ingresso de investimento estrangeiro e exportações - dois importantes fatores de crescimento nos últimos anos. Inflação, porém, caiu bastante, para 4,6% em setembro depois de ter chegado a 8,7% em fevereiro. Isso permitiu ao governo mudar sua política no sentido de apoiar o crescimento, e autoridades têm sinalizado que há mais medidas a caminho.
"Também temos de reconhecer que a China tem a capacidade de rechaçar esse impacto", disse Li. "A China tem muita margem de manobra em suas políticas, inclusive política fiscal, política monetária, política estrutural e política industrial", acrescentou, ressaltando as altas taxas de poupança do país e um sistema bancário repleto de dinheiro.
"Embora o governo chinês afirme que vai tentar impulsionar o crescimento econômico, leva algum tempo até que a demanda real aumente", diz Kim Woo-kyung, uma porta-voz da SK Energy Co., uma petroquímica sul-coreana. Suas exportações de produtos de petróleo para a China já caíram 35%, em volume, nos primeiros oito meses do ano.
(Colaboraram Peter Stein, de Hong Kong, Mike Esterl, de Frankfurt, SungHa Park, de Seul, e Miho Inada, de Tóquio)