Título: Turbulência agrava situação de pequenas e médias operadoras
Autor: Koike, Beth
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2008, Empresas, p. B1

As pequenas e médias operadoras de saúde enfrentam um cenário difícil. De um lado, está a nova regra da Agência Nacional da Saúde (ANS), que desde janeiro exige um provisionamento financeiro que muitos desses convênios médicos estão tendo problemas para alcançar. Do outro, a crise financeira mundial começa a respingar no país, deflagrando demissões em empresas - os principais clientes dos planos de saúde.

A Medical, cooperativa médica de Limeira (SP) já começa a sentir a desaceleração. No começo do mês, a fabricante americana de auto-peças TRW, com sede na mesma cidade do interior de São Paulo, demitiu 70 funcionários que tinham a Medical como plano de saúde. "Somando os dependentes, que são cerca de três pessoas em média, são 210 vidas a menos", diz João Carlos Rodrigues de Almeida, fundador da Medical, que detém a liderança em Limeira com mais de 70 mil beneficiários. A Golden Cross também se mostra preocupada com a possibilidade de cortes de trabalhadores. "A atual crise afeta com certeza o setor por causa das demissões nas empresas. Ainda não tivemos nenhum caso, mas já criamos planos mais baratos tendo em vista esse cenário", complementa João Carlos Regado, presidente da Golden Cross.

A escassez de crédito é outro agravante para os convênios médicos que dependem desses recursos para capital de giro. "Hoje a situação é negra para as médias e, principalmente, para as pequenas operadoras porque elas estão sendo pressionadas pela crise e as exigências da ANS", diz Cyro Alves de Britto Filho, novo presidente da seção paulista da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge-SP) e dono da Policlim, plano de saúde com 72 mil beneficiários de São José dos Campos (SP).

A nova regra da ANS determina que as operadoras de saúde provisionem o equivalente a 20% da contra-prestação de serviços dos últimos 12 meses ou 33% do total de sinistros dos últimos três anos. Segundo estimativas da ANS, cerca de 320 operadoras de pequeno e médio portes não estão conseguindo atender à norma. "Os planos com problemas representam cerca de 20% do total de operadoras registradas. Uma parcela dessas operadoras estão em processo de apresentação de um plano de recuperação", disse Alfredo Cardoso, diretor de normas e habilitação de operadoras da ANS.

A preocupação gira em torno principalmente dos pequenos planos, com até 20 mil vidas. "A maior parte das medicinas de grupo com essa dimensão tem rentabilidade negativa de 1%. Para conseguir fazer o provisionamento, o ideal seria uma rentabilidade média de 2,3%", diz Paulo Hirai, superintendente da Milliman no Brasil, consultoria americana especializada em saúde.

Diante desses números, os planos em dificuldades financeiras começam a bater na porta das grandes para serem adquiridos.

Na Medial, cujo caixa para compras soma R$ 237 milhões, o volume de propostas em análise aumentou 20% em relação há três meses. Apesar da tendência de consolidação do setor, os pequenos não são vistos com entusiasmo. "Não temos interesse em comprar empresas pequenas. É preciso juntar várias para ter escala. Dá o mesmo trabalho do que adquirir uma grande", diz Vitor Fagá, diretor de relações com investidores da Medial, com 1,5 milhão de beneficiários.

Sem compradores, muitas empresas pequenas vêm fechando nos últimos anos. Desde 2000 até hoje, aproximadamente 500 operadoras de saúde fecharam suas portas. Atualmente há em atividades cerca de 1,6 mil planos, segundo a ANS. O presidente da Abramge-SP diz temer uma redução ainda maior nos próximos anos por causa da norma de provisionamento. Ele defende a criação de um consórcio garantidor financiado por um grupo de planos médicos. "Estamos trabalhando numa proposta para criação de um consórcio garantidor em que várias empresas se juntam e contribuem. A ANS é quem gerenciaria esse dinheiro que só seria usado em casos de urgência", explica Britto Filho, que coordena também a Comissão de Pequenas e Médias Empresas da Abramge, criada no fim de 2007.

A consultoria Milliman vai além e defende a união de vários planos pequenos para que ganhem competitividade e se tornem atraentes para as grandes. "Uma pequena com 20 mil vidas realmente não interessa. Mas cinco delas juntas viram uma empresa com 100 mil beneficiários e já começa a gerar interesse. Nos Estados Unidos, já houve esse processo", explica o superintendente da Milliman.

Hoje, um dos principais desafios para as grandes operadoras é encontrar planos maiores à venda e assim ganhar escala numa só tacada. A Amil é uma das empresas que enfrentam dificuldades para promover esse tipo de aquisição, apesar de ter em caixa R$ 800 milhões, proveniente da abertura de capital em bolsa. Segundo fontes ouvidas pelo Valor, os acionistas da Amil estão insatisfeitos em ver o dinheiro do IPO parado em caixa. O caminho encontrado tem sido as aquisições menores como a carioca Clínica Santa Lúcia, comprada no mês passado, e o credenciamento de médicos do interior de São Paulo - praça onde a Amil cobiça entrar. Procurada pela reportagem do Valor, a Amil informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não tinha porta-voz disponível.