Título: Estados já temem perder investimentos privados
Autor: Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2008, Brasil, p. A6

O dia amanheceu ensolarado em Aracaju e, para boa parte dos participantes do 6º Enaber - encontro anual promovido pela Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos (Aber) - era um bom momento para conhecer o litoral sergipano. Já no auditório, o clima era menos agradável. Representantes dos governos de Sergipe e Minas Gerais apresentaram um cenário menos favorável para as economias dos Estados brasileiros em 2009, por conta do aprofundamento da crise financeira externa. Márcio Garcez / Valor Lúcia Falcon, secretária de Planejamento de Sergipe: governo precisa ser "keynesiano"em momentos de crise

Em Sergipe, um conjunto de investimentos privados que supera US$ 2 bilhões pode simplesmente não sair do papel por causa do cenário financeiro. Os investimentos públicos para o desenvolvimento do Estado, orçados em R$ 2,5 bilhões também podem ser comprometidos pelo cenário adverso. Ontem, uma missão do BNDES reuniu-se com representantes do governo do Estado para avaliar a liberação de R$ 270 milhões que financiarão parte do projeto Sergipe Cidades, orçado em R$ 750 milhões, que prevê a construção de portos secos, escolas públicas, centros de ensino tecnológico com cursos adaptados à atividade econômica de cada região, entre outras ações. "Essa missão veio fazer uma operação pente-fino, ver todos os detalhes do projeto e as condições financeiras do Estado para liberar esse primeiro financiamento", disse Lúcia Falcón, secretária de Planejamento e Gestão de Sergipe. Segundo a secretária, o Estado tem baixo nível de endividamento e deve ter o recurso aprovado ainda neste ano. "A minha expectativa é que o primeiro contrato seja acertado até novembro e o próximo seja acertado até 2010", afirmou.

Lúcia acredita que o Estado deve ser "keynesiano" em épocas de crise. "Num momento como esse o governo precisa investir e criar uma infra-estrutura para atrair o investimento privado. Estamos fazendo um ação anticíclica. Mesmo se houver uma crise e a economia encolher, a economia do Estado encolherá menos", afirmou.

O secretário de Desenvolvimento Econômico e de Ciência e Tecnologia, Jorge Santana de Oliveira, reitera que os investimentos já aprovados seguirão inalterados. Mas projetos do setor privado e os de governo que dependem da arrecadação de tributos ou do PAC podem sofrer alterações, dependendo de como a crise financeira internacional afetará a economia doméstica.

No setor privado, observa, existem 37 empreendimentos em execução no Estado e outros 31 em carteira. Desses últimos, apenas cinco vão se confirmar até novembro - duas agroindústrias, uma indústria de fiação e duas confecções - e outros sete "já foram colocados em stand-by pelas empresa", segundo o secretário. "Parte dos projetos vai sofrer algum tipo de paralisação, principalmente projetos industriais que demandam a importação de máquinas e equipamentos, em função do dólar", disse Santana ao Valor.

A economista e professora da Universidade Católica de Pernambuco, Ana Cláudia Laprovitera, considera temerário contar com investimentos do governo a partir de 2009, sobretudo do PAC. "Diante dessa crise, certamente haverá uma redução na liberação de recursos do PAC, como também do setor privado", diz. Para ela, ainda que não haja cortes, certamente a programação de liberação dos recursos será desacelerada.

Em Minas Gerais, a perspectiva não é muito distinta, de acordo com a subsecretária de Desenvolvimento Metropolitano do Estado, Maria Madalena Franco Garcia. Os investimentos privados anunciados no Estado para o período de 2003 a 2010 somam R$ 124,7 bilhões, mas, para a subsecretária, parte dos recursos pode não sair do papel por conta da crise. Ela cita como exemplos o aporte de R$ 8,6 bilhões em uma nova fábrica de celulose da Aracruz, projeto que recentemente foi paralisado pela empresa em função dos prejuízos que obteve com perdas com derivativos.

O andamento de outros projetos também preocupa, como o investimento de R$ 5 bilhões da Fiat para dobrar a capacidade da fábrica de Betim e o projeto de nova fábrica da Usiminas em Ipatinga, orçado em R$ 14,1 bilhões - este ainda em fase de licenciamento. "O mercado de veículos já não está tão bom e a Usiminas, como outras mineradoras, enfrenta o problema de operar com commodities no mercado internacional", avaliou.

Maria Madalena observou que a economia do Estado é baseada sobretudo na exportação de minério de ferro e outros produtos da siderurgia e tem como principais destinos Estados Unidos, Japão e China, países já afetados pela crise. "Se o governo federal mantiver os investimentos do PAC, teremos condições boas de emprego, mas se houver reprogramação, a situação fica mais complicada", afirmou.

Ainda segundo a subsecretária, o governo mineiro ainda não reformulou seu programa de investimentos em infra-estrutura. Mas, afirmou, se houver redução na arrecadação de ICMS as obras terão de ser readequadas. Os investimentos públicos previstos pelo governo do Estado para o intervalo de 2003 a 2010 são de R$ 12,269 bilhões. Os aportes feitos em parceria entre governos municipal, estadual e/ou federal somam R$ 3,4 bilhões, de acordo com a Secretaria de Desenvolvimento.

A manutenção do PAC também é uma preocupação em Sergipe. "Temos os R$ 400 milhões de orçamento do PAC, mas estamos buscando outras fontes de financiamento, como o Banco Mundial e o BID", disse o secretário de Desenvolvimento. O governo sergipano ainda trabalha com um cenário de crescimento do PIB em 2009 inferior ao de 2008, mas sem recessão e, por isso, o governo ainda mantém os planos de investimento público para o próximo ano, explicou. "Mas se houver perda de arrecadação, esses desembolsos serão revistos", afirmou.

A repórter viajou a convite da Aber