Título: Crise já fecha fábricas na China e eleva tensão social
Autor: Foreman, William
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2008, Internacional, p. A11

Wang Wenming está desempregado. Ficou furioso com seu chefe por ele ter fechado na semana passada uma enorme fábrica na China que produzia brinquedos para a Mattel, a Hasbro e para outras companhias americanas. AP Desemprego à vista: trabalhadores da fabricante de brinquedos Smart Union protestam contra o fechamento da fábrica na província de Guangdong

Mas esse operário de linha de montagem também está furioso com os EUA. "Essa crise financeira na América vai nos matar. Ela já está tirando comida das nossas bocas", disse na sexta-feira esse trabalhador de 42 anos, do lado de fora da fábrica fechada da Smart Union Group, na cidade de Dongguan, no sul da China.

A companhia, que vinha tendo problema depois da desaceleração do crescimento da economia mundial nos últimos meses, empregava 7 mil pessoas na China continental e em Hong Kong. Ainda não está claro quantas dessas pessoas perderam o emprego.

As turbulências econômicas nos Estados Unidos já estão mudando e encolhendo o enorme centro industrial da Província de Guangdong, há muito tempo tido como a "fábrica do mundo". No entanto, o fechamento de fábricas não será apenas um problema da China - os consumidores vão sentir os efeitos nas lojas e shopping centers dos EUA, da Europa e do resto do mundo.

"Quando essas companhias quebram, o resultado são preços maiores", afirma Andy Xie, um economista independente de Xangai. "Os custos com mão-de-obra subiram de 70% a 100% nos últimos três ou quatro anos. Mas esses caras não vêm conseguindo aumentar seus preços porque a Toys "R" Us, a Home Depot e o Wal-Mart estão dizendo "nada de aumento nos preços". Como isso é possível?"

Durante anos, muitas fábricas competiram para conseguir contratos com compradores estrangeiros que exigiam preços que freqüentemente eram muito baixos e fora da realidade. Os vencedores foram os consumidores americanos e europeus, que aproveitaram os preços baixos.

Mas muitas fábricas estavam economizando materiais e deixando de pagar fornecedores para sobreviver, diz Xie. A crise financeira será o derradeiro golpe, que acabará derrubando muitas empresas já cambaleantes, encerrando uma situação insustentável, acrescenta ele. A indústria dos brinquedos da China já está sofrendo. A agência de notícias oficial Xinhua informou esta semana que 3.631 exportadores de brinquedos (52,7% das empresas do setor) fecharam as portas em 2008. As causas: custos de produção maiores, aumentos de salários de funcionários e a valorização do yuan, a moeda local.

A aproximação do Natal provavelmente não fará muita diferença. As gigantes dos brinquedos geralmente fazem seus pedidos de Natal com meses de antecedência, para que os brinquedos possam ser entregues a tempo. Mesmo antes da crise financeira, as exportações da China estavam caindo por causa da desaceleração dos EUA e da Europa. Pela primeira vez em três anos, a taxa de crescimento das exportações chinesas no primeiro trimestre de 2008 caiu, segundo dados da Alfândega. Chan Cheung-yau, presidente do subcomitê de brinquedos e jogos da Associação dos Fabricantes de Brinquedos da China, em Hong Kong, concorda que as perspectivas são sombrias para os fabricantes de brinquedos. Ele prevê que milhares de fábricas mais vão fechar as portas na China no ano que vem. "O aperto do mercado de crédito tornou mais difícil para os fabricantes levantar recursos", diz ele. "Isso criou um problema enorme de fluxo de caixa."

Funcionários da Smart Union disseram que havia meses que a fábrica operava abaixo da capacidade e os pagamentos vinham atrasando. "A administração dizia que o problema era que nossos clientes americanos não estavam pagando pelos produtos que encomendavam, de modo que a companhia não tinha como nos pagar", diz Shao Xiaoping, ainda usando a camiseta azul da companhia, com a palavra "Smart" costurada em linha vermelha acima do bolso.

Ele estava entre os cem funcionários que se reuniram na sexta-feira do lado de fora da companhia, um complexo de cinco andares, coberto de azulejos brancos e azuis manchados pela poluição. Cerca de 2 mil outros trabalhadores protestavam do lado de fora de escritórios do governo local, exigindo que a companhia, sediada em Hong Kong, pagasse seus salários, o desligamento e outros benefícios. O prédio era guardado por uma fileira de 50 policiais com escudos e cassetetes.

Os trabalhadores diziam que o dono da fábrica não os avisou com antecedência de seu fechamento, na quarta-feira. "Trabalho aqui há oito anos. Não tenho a menor idéia se vou receber. O governo diz que iremos, mas não estou otimista", disse um homem que usava uma camiseta branca sem mangas e que forneceu apenas seu sobrenome, Zhang. A maioria dos funcionários não se identifica por completo. Eles temem que falando com a imprensa não vão receber seus salários atrasados.

Um aviso colocado pelo governo local na porta da fábrica dizia que os funcionários poderiam ser detidos por 10 a 15 dias por incitação à desordem, agrupamento ilegal, protesto e ignorar ordens de oficiais de segurança.

Ligações telefônicas para a sede da Smart Union em Hong Kong não foram respondidas. Na sexta-feira, a companhia disse, num comunicado à Bolsa de Valores de Hong Kong, que informou a Suprema Corte de Hong Kong que parou de operar e está procurando compradores. Os negócios com as ações da companhia foram suspensos na quarta-feira.

No ano passado, a companhia disse em um relatório financeiro que seus principais clientes incluíam a Mattel, Hasbro e Spin Master. Em outro relatório deste ano, a companhia informou um prejuízo antes dos impostos de US$ 25,9 milhões nos primeiros seis meses do ano. Segundo a companhia, os custos de produção maiores - incluindo um aumento de 20% nos custos dos plásticos - deram uma grande mordida nos lucros, junto com a valorização de 7% do yuan.

Ela também foi golpeada quando a Mattel e outras gigantes dos brinquedos fizeram recalls de milhões de brinquedos feitos na China, no ano passado, por causa de problemas de segurança. A Smart Union não esteve diretamente envolvida nesses recalls, mas "o incidente afetou muito a indústria dos brinquedos", disse a companhia.

A maioria das fábricas de brinquedo da China fica na província de Guangdong - o principal laboratório das audaciosas reformas econômicas iniciadas pela China há 30 anos, quando ela começou a se afastar do comunismo. A província foi um bom lugar para começar o envolvimento com o capitalismo porque faz divisa com Hong Kong, a principal porta de entrada dos investidores estrangeiros na China.

Companhias de Hong Kong, Taiwan, EUA e Europa correram para lá para instalar fábricas de custos baixos, fabricando de tudo, de tênis e roupas íntimas a laptops e iPods. A região próxima de Hong Kong ficou conhecida como Delta do Rio Pérola.

A maioria dos fechamentos de fábricas está ocorrendo no Delta do Rio Pérola, e as mudanças não parecem incomodar uma das mais graduadas autoridades econômicas da província, o vice-governador Wang Qingliang.

Num informe dado a jornalistas estrangeiros este mês, Wan disse que a crise econômica mundial não vai impedir o governo da província de prosseguir com um plano abrangente de reestruturação da base manufatureira do Delta do Rio Pérola. Ele disse que o governo quer que as fábricas com poucos recursos se mudem mais para o interior da China, para que possam ser substituídas por companhias de alta tecnologia.

"Temos uma política de esvaziar a gaiola para colocar pássaros novos", disse ele. "A principal meta é transformar o Delta do Rio Pérola em uma região importante de produção moderna." Se a estratégia der certo, a China eventualmente poderá sair mais forte da crise dos brinquedos.