Título: Todo cuidado é pouco com a greve da Polícia Civil
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2008, Opinião, p. A12

A greve da Polícia Civil de São Paulo, que resultou em graves confrontos nas imediações do Palácio do Governo na semana passada, deve não apenas ficar à margem de qualquer uso político, mas deve, principalmente, ser tratada com muito cuidado. Greve de polícia é movimento de funcionários públicos armados. A radicalização, seja pelo rompimento dos canais de diálogo com o governo, seja pelo incitamento de dirigentes sindicais e/ou políticos, é tudo o que a população do Estado não precisa. O equilíbrio para lidar com esse problema é absolutamente necessário. Se o fato de os policiais terem armas não for uma razão suficiente, é necessário lembrar que existe uma animosidade histórica entre a Polícia Civil e a Polícia Militar. Incentivar uma situação onde uma polícia reprime a outra é incentivar o confronto. Não foi à-toa que, na quinta-feira, tropas de choque da PM e manifestantes da Polícia Civil transformaram as ruas do Morumbi, perto do Palácio dos Bandeirantes, em uma praça de guerra.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no fim de semana, insurgiu-se contra o governador José Serra, que acusou a CUT e a Força Sindical, e os braços políticos das centrais, o PT e o PDT, de terem insuflado os policiais para tentar produzir dividendos eleitorais para a campanha de Marta Suplicy. "O governador Serra não tinha o direito de, me conhecendo como ele me conhece, acusar o PT. Eu espero que, em algum momento, ele peça desculpas por essa heresia que ele falou", disse o presidente, lembrando que, em 2006, mesmo acuado pela oposição e em disputa pela reeleição, recusou-se a usar politicamente os ataques do PCC no Estado - o governador, aliás, estendeu as acusações de uso político aos próprios ataques do PCC, que, segundo ele, teriam sido urdidos pelo PT. Numa situação complicada como essa, se não houver clareza das peças que se movem no movimento grevista, dificilmente se chegará a bom termo. E, certamente, nem o governo Serra nem o PT, que faz oposição a ele, ganharão politicamente com o episódio.

Os fatos que devem ser colocados na mesa, aliás, depõem contra os vários lados envolvidos na história. Desde fevereiro a categoria tenta negociar com o governador José Serra. Houve, de fato, um achatamento salarial da categoria desde 1993, quando uma lei estadual equiparou os proventos das duas polícias. Nesses dez meses de negociação, apenas agora, às vésperas do segundo turno, é que Serra resolveu acusar intenções políticas no movimento grevista. Da parte do governo do Estado, portanto, o diálogo poderia ter sido aberto antes da radicalização das posições. Teria sido melhor sucedido nas negociações no começo, quando os grevistas estavam divididos nas negociações. Depois do confronto, a tendência é a de que as várias facções do movimento se unifiquem, num gesto até de autodefesa.

Da parte das centrais sindicais, o que parece ter ocorrido, exceto por algumas iniciativas individuais que não devem ser colocadas como um pecado coletivo, foi que CUT e Força Sindical se aproveitaram, de fato, do impasse das negociações, para tentar cooptar os sindicatos ligados à Polícia Civil, nenhum deles associado a qualquer central. Ao que parece, as motivações aí são mais do lado do movimento sindical do que dos partidos correspondentes da CUT e da Força. Tanto que emissários da Força Sindical estavam tentando abrir um canal de negociação com o governo. De qualquer forma, o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), líder da Força Sindical, jamais poderia ter incitado os grevistas a irem em direção ao Palácio do Governo, sabendo que isso necessariamente resultaria num confronto entre duas polícias armadas.

Com serenidade, está na hora de definir responsabilidades, partindo de alguns princípios. O primeiro é o de que nenhum lado envolvido nesse perigoso conflito pode usá-lo politicamente, pois ninguém tem a ganhar e todos têm a perder num confronto armado. O segundo é que negociar não ofende. Postergar soluções em negociações salariais tornam as greves iminentes; em longos períodos de greve, a radicalização é inevitável. Botar lenha na fogueira também não serve nem ao governo nem aos policiais. Bom senso - é tudo o que a população da maior cidade do país pede.