Título: Excesso combatido
Autor: Nunes, Vicente ; Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 26/02/2010, Economia, p. 14

Decisão do BC que obrigou os bancos a recolherem mais recursos aos cofres da instituição deverá reduzir as incertezas decorrentes das eleições presidenciais de outubro e a consequente pressão para uma elevação da taxa básica de juros

Diante das incertezas quanto aos resultados das eleições presidenciais de outubro e apostando firme no aumento da taxa básica de juros (Selic) a partir de março próximo, os bancos restringiram a oferta de crédito e ampliaram significativamente as aplicações em títulos públicos com vencimento em até três meses. Dados do Banco Central (BC) mostram que, no fim de janeiro, essas operações totalizavam R$ 508,7 bilhões, um recorde, correspondendo a 27,3% da dívida pública em poder do mercado. Foi esse excesso de dinheiro girando no curtíssimo prazo ¿ um combustível a mais para a inflação ¿ que levou o governo a anunciar, na quarta-feira, o aumento dos depósitos que os bancos são obrigados a recolher compulsoriamente nos cofres do BC. A meta é tirar de circulação R$ 71 bilhões.

Somente entre dezembro do ano passado e janeiro deste ano, as chamadas operações compromissadas aumentaram 19% ou R$ 80,8 bilhões. Em relação a dezembro de 2008, auge da crise mundial, quando o BC foi obrigado a liberar quase R$ 100 bilhões em depósitos compulsórios para que os bancos de pequeno e médio portes não quebrassem, houve um crescimento de R$ 208 bilhões. Ou seja, a maior parte dos compulsórios não foi para o crédito, como esperava o BC, mas para aplicações em títulos públicos, garantindo um rendimento elevado para os bancos a risco zero. Esses papéis são corrigidos pela taxa básica de juros (Selic), que está em 8,75% ao ano e deve subir a partir de março, como apostam 70% dos operadores do mercado.

Para se ter uma ideia da distorção provocada pelo excesso de liquidez no curtíssimo prazo(1), a parcela do endividamento público composta por títulos atrelados à Selic atingiu, no mês passado, 70,4%, contra 58,2% de dezembro de 2008. Com isso, jogou-se por terra o projeto do governo de alongar o prazo de vencimento da dívida. ¿Os bancos não querem correr riscos. Preferem ficar com dinheiro em caixa, garantindo uma rentabilidade razoável em aplicações de curtíssimo prazo, o que não combina com o quadro de estabilidade do país¿, disse o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor da Dívida Pública do BC. ¿Nos tempos de inflação alta, o sistema financeiro preferia o curto prazo para se proteger, o que era aceitável¿, acrescentou. Era a época do overnight.

Sobras Como os bancos não estão emprestando esse excesso de dinheiro, mas engordando os lucros em operações de compra e venda de títulos públicos, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não vê motivos para o sistema financeiro aumentar os juros cobrados de consumidores e empresas. ¿Na verdade, haverá uma troca. Em vez de ser direcionada para operações compromissadas (com títulos), parte do excesso de liquidez irá para o BC em depósito compulsório¿, assinalou Mantega. A seu ver, os bancos que não quiserem repassar o dinheiro para o BC devem emprestar mais, já que estão com sobras de recursos.

O aumento dos compulsórios com o intuito de segurar a inflação vem sendo discutido há meses dentro do governo. Segundo a equipe de Mantega, essa é uma forma de evitar que o BC seja obrigado a elevar a taxa Selic, como prevê o mercado. O próprio presidente do banco, Henrique Meirelles, garantiu ao presidente Lula que, antes de um possível aperto na política monetária, a instituição desarmaria o arsenal detonado no auge da crise mundial para irrigar o sistema financeiro. Indagado se os compulsórios maiores eram uma vitória dele, ao defender a medida nos bastidores do governo, o ministro da Fazenda optou pela ironia: ¿Bastidor é coisa de teatro. Na equipe econômica não existe bastidor¿.

1 - Alongamento O Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou ontem regra que permite aos bancos emitirem letras financeiras para se financiarem no longo prazo. Agora, instituições financeiras poderão emitir títulos de dívida com vencimento mínimo de dois anos. O objetivo da nova norma é aumentar as posições credoras dos bancos, fazendo com que haja mais oferta de crédito ao consumidor.

Esforço para pagar juros

O governo usou o forte crescimento das receitas com impostos em janeiro ¿ mais R$ 9,9 bilhões em relação ao mesmo mês de 2009 ¿ para se contrapor às pesadas críticas que vem recebendo de economistas e investidores por causa da deterioração das contas públicas. O superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida) de todo o setor público atingiu R$ 16,2 bilhões no primeiro mês do ano. Foi o segundo melhor janeiro da série histórica do Banco Central iniciada em 2001, com o saldo apontando crescimento de 120% sobre os R$ 7,3 bilhões do mesmo mês de 2009.

¿Nós estamos no caminho certo, com a sustentabilidade fiscal que tem sido prometida pelo governo. É muito importante que, no ano eleitoral, quando as más línguas acham que nós poderíamos gastar mais e não fazer o resultado fiscal, eu garanto a vocês que nós vamos fazer o resultado fiscal de 3,3% (do Produto Interno Bruto, PIB)¿, afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Segundo ele, o resultado de janeiro foi tão bom, que, mesmo arcando com R$ 13,9 bilhões da conta de juros, ainda houve uma sobra (superavit nominal) de R$ 2,2 bilhões, o que não se via desde outubro de 2008, auge da crise mundial.

Estrago Na avaliação do chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, a melhora do superávit primário foi resultado, basicamente, do aumento da arrecadação, devido à forte recuperação da atividade econômica, apesar de ter havido um adiamento no pagamento de R$ 9,3 bilhões com o pagamento de precatórios (dívidas decididas pela Justiça). Ele ressaltou, porém, que, no acumulado de 12 meses, a economia para o pagamento de juros, de 2,32% do PIB, ainda reflete parte do estrago provocado pela crise mundial nas finanças públicas do Brasil. (VN e DB)

Dívida com alerta ligado

Apesar da queda da relação entre a dívida líquida pública e o Produto Interno Bruto (PIB), de 42,9% para 41,7% entre dezembro de 2009 e janeiro deste ano, o mercado ainda não desligou o sinal de alerta em relação a esse indicador. ¿Num momento em que se fala em capitalização do Banco do Brasil e da Petrobras pelo Tesouro Nacional, as desconfianças continuam, sobretudo em relação à dívida bruta, que continuou crescendo¿, disse o economista Maurício Molan, do Banco Santander.

Segundo o Banco Central, enquanto a dívida líquida (que desconta as reservas internacionais do país) caiu R$ 27,4 bilhões no mês passado, o endividamento bruto total avançou R$ 42,1 bilhões, refletindo, principalmente, o processo de capitalização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). ¿Não se pode esquecer ainda também o efeito do câmbio. Se a alta do dólar joga a dívida líquida para baixo, faz aumentar a dívida bruta¿, afirmou o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes.

Pelas projeções do BC, a dívida líquida fechará este ano em 40% do PIB, nível ainda superior aos 38,4% computados em dezembro de 2008. (VN)