Título: Brasil propõe que indústria do cigarro financie combate contra contrabando
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2008, Brasil, p. A2

O Brasil e a União Européia (UE) se afrontam na negociação de um acordo internacional para combater o comércio ilícito de tabaco, mas estão de acordo num ponto: o monitoramento da produção e a fiscalização do comércio devem ser financiados integralmente pela indústria.

Com a participação de 150 países, a negociação acontece esta semana em Genebra. O objetivo é combater um comércio que provoca perda de arrecadação estimada em US$ 50 bilhões globalmente. No Brasil, o prejuízo para o governo é estimado em R$ 1,5 bilhão por ano, pelo menos. O país é um dos atores centrais, tanto pelo seu papel na convenção para controle do tabaco, como por ser o principal exportador e segundo produtor mundial.

Os cigarros contrabandeados representam 11% da venda mundial, equivalente a 600 bilhões de cigarros anuais, de acordo com o Centro de Integridade Pública, entidade não-governamental dos EUA. A negociação atual ocorre porque os países constataram que o contrabando diminuía a efetividade da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, aprovada em 2005. Agora procuram os meios de lutar contra esse crime, que aumenta o consumo do fumo e agrava a saúde. "Queremos um acordo que seja forte e efetivo para erradicar o contrabando e que priorize a saúde pública", afirmou a embaixadora brasileira na ONU, Maria Nazaré Azevedo.

O Brasil, apoiado pelos outros países das Américas, e a UE, com peso entre os industrializados, se afrontam sobre dois pontos essenciais. Os europeus, com ênfase na segurança, consideram que os governos devem assumir o controle desde a folha do tabaco até a distribuição do cigarro. Alegam, como os americanos, que esse tipo de comércio é estimulado por delinqüentes internacionais e parte do dinheiro é utilizado em operações terroristas.

O ministro Silvio Albuquerque, chefe da Divisão de Temas Sociais do Itamaraty, diz que o Brasil não ignora esse problemas, mas o foco do país é nas implicações do contrabando do cigarro sobre a saúde pública e sobre a perda de receita.

O Brasil, que tem 300 mil famílias trabalhando na produção de fumo, não vê como controlar cada folha. Considera que os grandes responsáveis pelo comércio ilícito são as próprias indústrias. Segundo Albuquerque, existem evidências de de que o cigarro traficado muitas vezes sai da indústria, passa ilegalmente a fronteira e provoca dois estragos: um, na saúde pública, porque o preço mais barato estimula o consumo, e o outro fiscal, pela perda de arrecadação.

A indústria alega que vende para comerciantes autorizados e não reconhece responsabilidade em desvios ou desaparecimento de cargas inteiras de cigarros, segundo técnicos. Mas o governo estima que os produtores têm o poder de controlar a cadeia de produção e distribuição e responsabilidade pelo destino final do produto.

Para o Brasil, cabe aos governos o papel central no controle de produção e rastreamento de maços de cigarro, com impacto no imposto arrecadado. Hoje, o sistema no país permite verificar se um maço foi produzido em determinada indústria. Já a UE acha que a indústria é que deve ter esse papel. "Para o Brasil, isso é colocar a raposa tomando conta do galinheiro", reage Albuquerque.

A delegação brasileira detalhou aos outros países o sistema de controle do cigarro. Explicou que a tecnologia foi paga com cobrança sobre a indústria de US$ 0,17 por pacote de cigarro. Nesse ponto, os europeus concordam que cabe à indústria bancar a despesa com monitoramento e fiscalização.

Há quase consenso para que o acordo proíba a venda de cigarro pela internet, pela facilidade do do comércio ilegal. A Anvisa tem portaria nesse sentido. O problema é como os governos vão fiscalizar o comércio pela web. Existem divergências, por outro lado, sobre proibição da venda em "duty free". O Brasil, que vende cigarros em aeroportos, não tem posição fechada.