Título: Governo precisa ter cautela com ações contra a crise
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2008, Opinião, p. A12

O governo deve ter cautela diante das pressões advindas da crise financeira e clareza sobre o que é preciso fazer e o que se deve evitar. Contrariando todas as expectativas, a crise de crédito chegou com muita rapidez ao Brasil, a partir do estado de alerta máximo (exagerado) dos bancos, que cortaram boa parte dos empréstimos que irrigam a economia. A reação veio após as linhas de financiamento externas terem sido reduzidas pelos bancos estrangeiros. A contração do crédito já deu um tranco na economia, e pode ter começado antes da hora o desaquecimento que só era esperado para o segundo semestre de 2009.

Uma leitura apressada do socorro generalizado e estatização às pressas do sistema financeiro dos países desenvolvidos pode levar o governo a querer, diante da retranca no crédito dos bancos privados, substituí-los em sua tarefa básica de irrigar a economia. Uma coisa é ampliar a capacidade de empréstimos dos bancos oficiais para setores como a construção civil e a agricultura, o que pode obrigar as demais instituições financeiras a se moverem para não perder mercado. Esse movimento dos bancos oficiais é importante, mas obviamente limitado. Coisa bem diferente é a participação acionária em empresas da construção civil por parte da Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, como parcela do governo cogita. As chances de se comprar gato por lebre são grandes; a de arcar com prejuízo, altas e as oportunidades para favorecimentos, óbvias. O essencial, no entanto, é que essas empresas estão com falta de capital de giro, e não estão quebradas, o que um paralelo superficial com as operações de auxílio no Reino Unido ou nos EUA poderiam sugerir. É possível suprir adicionalmente a necessidade de capital de giro, mas a capitalização agora pode não ser um bom negócio e não há risco sistêmico envolvido que exija ação urgente.

A falta de liquidez pode criar uma crise inesperada e está certo o Banco Central em atuar para restabelecer o fluxo de dinheiro. É possível examinar novas medidas que driblem a baixa propensão dos bancos a usar o dinheiro dos compulsórios para empréstimos.

Com mais dinheiro em caixa, os bancos garantem remuneração pela Selic na troca de dinheiro por um dia, em tese suas sobras de caixa. Seria possível, dada a enorme oferta de dinheiro, reduzir a meta para a Selic, de acordo com a magnitude dessas sobras. Esse movimento exigiria, porém, uma sinalização futura: a de que os juros vão parar de subir ou a de que começarão a cair. Cedo ou tarde isso acontecerá, porque não faz sentido o Banco Central lutar para que mais dinheiro seja injetado rapidamente na economia e manter juros em alta.

O espaço para reduzir juros cresce com a possibilidade de uma desaceleração econômica mais à frente. Esse é o cenário atual, que pode ter sido até antecipado. Há sinais por toda parte de que os investimentos diminuirão, a expansão do crédito perderá fôlego e a produção se adequará a um nível mais baixo de vendas. Com um crescimento previsto de cerca de 3,5% para 2009, as estimativas de inflação dadas pela pesquisa Focus apontam para cima, mas esse movimento pode ser momentâneo. Com a proximidade da recessão nas principais economias do mundo e a redução de preço das commodities, o fôlego inflacionário é baixo. O mercado sinaliza o repasse da alta do dólar aos preços, o que só ocorrerá fortemente se a demanda não arrefecer - que é o cenário mais realista.

O governo poderia investir mais e atuar na contramão do ciclo se suas despesas já não fossem tão altas. Agora é uma boa hora para que o custo do dinheiro aponte gradativamente para baixo. O apetite por risco, no caso dos capitais de curto prazo que aproveitam diferenciais saborosos entre juros domésticos e externos, quase desapareceu. Dessa forma, a redução do juro não desencorajaria os ingressos, que perderam vigor desde setembro, pelo menos. Prover liquidez em todas as frentes é a tarefa do momento, que vem sendo bem executada pelo governo. É preciso evitar o açodamento e a "criatividade", até porque mesmo um crescimento de 3,5% seria muito razoável em meio à maior crise financeira desde 1929.