Título: Em crise, usinas cancelam aquisições e adiam projetos
Autor: Scaramuzzo, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2008, Agronegócios, p. B12

As usinas de açúcar e álcool do país, que vêm de um intenso processo de expansão e consolidação nos últimos anos, passam por um dos seus momentos financeiros mais críticos. Para alguns especialistas, a fase é pior que a crise de 1999, quando os preços do açúcar desceram ao mais baixo patamar de todos os tempos na bolsa de Nova York, pressionados por altos estoques mundiais da commodity.

Alavancadas, muitas empresas do setor sucroalcooleiro estão refinanciando suas dívidas de curto prazo e adiando projetos. São os casos da Açúcar Guarani, controlada pelo grupo francês Tereos, e da Nova América, que também está revendo aquisições. Há também nesse pacote possíveis desistências de negócios por parte dos vendedores - como acontece com a usina paulista Guaricanga, que está rediscutindo o negócio com a Infinity Bio-Energia, segundo apurou o Valor.

Há três anos, o setor vivia um "boom" de investimentos. Foram anunciados quase 200 projetos de novas usinas no país, dos quais 100 deles saíram do papel, com aportes estimados em US$ 33 bilhões até 2012, segundo levantamento da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica). Mas mesmo grupos com projetos em andamento estão revendo o início das operações de suas novas unidades. Das 32 novas usinas que deveriam iniciar a moagem de cana neste ano, dez adiaram a estréia para 2009, segundo Antonio de Padua Rodrigues, diretor da Unica. "A expectativa para 2009 era de que 35 novas usinas iniciariam suas operações, mas parte vai postergar para 2010, e assim por diante", diz ele.

Dono da marca União, líder no varejo, o grupo Nova América está revendo seus investimentos em projetos "greenfield" (construção de usinas a partir do zero) e também poderá voltar atrás na decisão de compra de uma usina, a Pau D"Alho, instalada em Ibirarema (SP). A aquisição da Pau D"Alho foi anunciada pela empresa em julho passado, mas pode não ser levada adiante, afirmou ao Valor Melquíades Terciotti, diretor do grupo.

"A compra ainda não foi concluída. Estamos na fase de "due dilligence" [auditoria]", afirmou o executivo. Outro projeto do grupo, o de Naviraí (MS), também "está em stand-by". Em agosto, a Nova América foi obrigada a refinanciar uma dívida de curto prazo de um pouco mais de R$ 300 milhões, oriunda da emissão de debêntures em 2007. Agora, o grupo está em busca de parceiros estratégicos para tocar seus projetos. "Faz parte do nosso plano de reestruturação", afirmou Terciotti. Segundo o executivo, há conversas em andamento com vários grupos, mas nada foi fechado. Bunge, Cosan e ETH , da Odebrecht, teriam sondado a companhia. Procurada, a Bunge negou o interesse. O Valor apurou que a Cosan chegou a conversar, mas não tem interesse em ser minoritária. A ETH não retornou as ligações.

Nesse pacote de crise, não escapam nem os grupos formados por fundos de investimentos. É o caso da Infinity Bio-Energia, que em julho anunciou a compra da usina Guaricanga, de São Paulo, controlada pelo empresário e ex-deputado João Hermann Júnior. No entanto, a parte vendedora quer se desfazer do negócio. "Resolvemos rediscutir a operação porque entendemos que o grupo [Infinity] está com limitação de crédito, o que pode comprometer o negócio", afirmou um alto executivo da Guaricanga ao Valor.

As duas partes se reuniram no fim da tarde de segunda-feira para discutir o andamento da fusão. Mas a operação poderá ser desfeita na próxima semana, segundo a mesma fonte. Nesta operação, o Infinity iria pagar pela Guaricanga cerca de R$ 160 milhões em ações, o equivalente a 11% de participação que o grupo teria na Infinity. Procurado, o Infinity negou as informações e afirmou que as negociações seguem em andamento.

Como estão alavancadas, boa parte das usinas do setor enfrenta limitação de crédito no mercado para tocar os projetos novos. A Açúcar Guarani, por exemplo, recebeu um empréstimo no valor de US$ 220 milhões de sua matriz, o Tereos, para liquidar suas dívidas de curto prazo. Trata-se de um empréstimo de contrato mútuo, que envolve empresas interligadas. Segundo Jacyr Costa, presidente da Guarani, o grupo deve postergar para 2011 o início das atividades de sua usina em construção, a Cardoso, de São Paulo. "Tínhamos um planejamento de ampliar as instalações da unidade Tanabi [em São Paulo], mas vamos esperar", disse Costa. O empréstimo de US$ 220 milhões feito pela Tereos representa 60% da dívida da Guarani. Segundo Costa, para saldar os 40% restantes, a companhia está usando linhas disponíveis no mercado.

Na semana passada, a Santelisa Vale, de Sertãozinho (SP), informou que também está refinanciando sua dívida de US$ 300 milhões. E a Cosan, gigante do açúcar e do álcool, recebeu um pesado aporte do fundo Gávea, que deu maior maior musculatura à companhia.

"Um momento de turbulência como esse que estamos passando favorece um cenário de fusões e aquisições", acredita Christoph Berg, da consultoria alemã F.O. Licht. Segundo ele, companhias brasileiras, nesse momento, recuam. Mas abre espaço para grandes multinacionais olharem com interesse o Brasil.(Colaborou Graziella Valenti)