Título: Empresas negociam com fornecedor e factoring para superar falta de crédito
Autor: Jurgenfeld, Vanessa; Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2008, Finanças, p. C2

Apesar dos esforços do governo para aumentar a liquidez da economia, as empresas ainda ontem reclamavam das dificuldades de obter crédito dos bancos, especialmente de linhas de financiamento do comércio exterior (ACC e ACE). A maior parte das indústrias se queixa do alto custo, do rigor e dos limites dados na concessão de crédito. Empresas têxteis e moveleiras, que apresentam há alguns anos dificuldades nos seus resultados, principalmente pelo câmbio desfavorável às exportações, estão sentindo ainda mais o aperto.

De acordo com o diretor de exportação da Teka, Marcello Stewers, o acesso às linhas de crédito melhorou um pouco em relação à semana passada, mas ele diz que o mercado ainda está "extremamente seletivo". Segundo ele, é preciso consultar a três ou quatro bancos, ao longo do dia, para realizar operações como desconto de duplicatas; e as taxas continuam bem altas. Antes da crise, disse, a consulta envolvia um ou dois bancos e o custo por essa operação era de CDI mais 0,60 ao mês. Agora, vai de CDI mais 1% a CDI mais 1,20%.

Como alternativa, a empresa tem recorrido à negociação direta com fornecedores. Pedidos entregues a clientes varejistas no exterior servem de garantia na compra de insumos nos fornecedores de grande porte, como os de algodão, que lhes fornecem a matéria-prima até que haja o crédito da venda ao varejo. A operação substitui o desconto de cambiais de exportação diretamente nos bancos; e o custo é mais atraente.

Desde a reestruturação que fez entre 2003 e 2004, a Teka não vinha mais recorrendo a esse tipo de operação.

"O cenário para as linhas de crédito, especialmente as relativas ao comércio exterior, não melhorou. Ou não tem ou o banco está tão seletivo que é como não ter", diz o presidente do Sindicato das Indústrias Têxteis do Vale do Itajaí (Sintex), Ulrich Kuhn. Segundo ele, no setor têxtil catarinense existe uma minoria de empresas que está capitalizada, com a grande maioria sentindo dificuldades neste momento. "Essa situação do crédito na prática está se refletindo em aumento de custos de produção porque não há financiamento em condições compatíveis", diz.

Kuhn diz que "até certo ponto", é possível recorrer aos fornecedores como alternativa ao crédito bancário, mas destaca que isso não é solução a longo prazo, uma vez que os próprios fornecedores têm um limite para isso.

O presidente da Buettner, João Henrique Marchewsky, afirma que a empresa tenta negociar com os fornecedores mais prazo para pagamento e também tem oferecido garantias, como as cambiais de exportação, para que esses financiem seus insumos, mas, segundo ele, somente os produtores de grande porte se mostram favoráveis a essas operações. "Em geral, os fornecedores de algodão, por exemplo, também estão com dificuldades de crédito e precisam neste momento de recursos para o plantio".

Como alternativa a um volume menor de crédito, segundo ele, a empresa aumentou em cerca de 15% as operações com factorings.

No setor moveleiro, a reclamação quanto ao crédito ainda também persiste. Ivo Sandi Grossl, dono da Móveis Grossl, em São Bento do Sul (SC), diz que nos últimos dias melhorou "um pouco, mas há muitos bancos ainda que não estão liberando nada". Há uma ligeira retomada das linhas ACC e ACE, mas em limites pequenos em relação aos que anteriores à crise.

Grossl explica que a atual cotação do câmbio tem deixado os exportadores da região de São Bento do Sul - principal pólo exportador de móveis do país - mais aliviados, mas ainda há incertezas quanto à demanda que terão no futuro dada a crise mundial. Além da retração americana, que já se refletia há alguns meses nas próprias encomendas do setor, agora já é sentido recuo das vendas para a Europa. "Mas, a esse dólar, pelo menos está havendo alguma margem nas exportações. A moeda mais favorável também permite melhores condições na negociação de preço". Para Grossl, a situação cambial é tida como um alento em meio a crise. "Se o dólar ficar nos níveis em que está hoje, a tendência é de recuperação do setor".

Segundo o diretor financeiro do grupo Cosipar, Luiz Guilherme Monteiro, o custo do ACC aumentou 100% nos últimos dois meses, saltando de 7% ao ano para 15% ao ano nos bancos brasileiros para operações de 60 dias. No exterior, as linhas comerciais sumiram, com os bancos europeus e americanos fechando as torneiras.

Monteiro afirmou que o leilão de linhas de comércio exterior realizado pelo Banco Central para os bancos repassarem empréstimos de ACCs aos exportadores, na segunda-feira, não surtiu efeito sobre o custo do ACC. "O custo ainda não baixou. Hoje (ontem), renovamos um ACC que vencia em 60 dias e o custo continua em 15% ao ano em dólar. Mas, o prazo foi alongado para 120 dias. " Monteiro informou que o BC está leiloando linhas cobrando a taxa interbancária de Londres (Libor) mais 0,11% ao mês, menos de 5% ao ano. "E nós estamos pagando 15%".

Monteiro espera que, na semana que vem, os exportadores já comecem a sentir algum reflexo da atuação da autoridade monetária. "Estou esperançoso que o BC desta vez possa ter sucesso".

A falta de recursos para ACCs, disse, afeta o fluxo de caixa das empresas. "Temos que renegociar prazos com os fornecedores para não parar a produção", explicou.

O grupo Cosipar é o maior produtor e exportador de ferro-gusa do país e domina 25% do mercado americano. Este ano, as duas empresas do grupo, a Cosipar e a Usipar devem exportar 1 milhão de toneladas de gusa em comparação com 1,3 milhão de toneladas em 2007. Por causa da crise, Monteiro reduziu a projeção de vendas para 2009 para 800 mil toneladas e suspendeu um projeto de expansão da Usipar em 300 mil toneladas.