Título: Nações reabilitam as usinas nucleares
Autor: Melloni, Eugênio
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2008, Especial, p. F5

O aquecimento global, processo para o qual as termelétricas movidas a combustíveis fósseis têm sido importantes contribuintes, está produzindo um grande paradoxo na matriz energética de muitos países. Devido à necessidade de adequação ao Protocolo de Kyoto, que estipula meta de 10% de fontes renováveis na matriz energética, muitos países estão reabilitando a geração nucleoelétrica, considerada por ambientalistas como uma séria ameaça ao ambiente e às pessoas, como fonte limpa.

No Brasil, a geração nuclear de energia elétrica também passa por um processo de revitalização. Para ampliar a segurança no suprimento de energia no médio prazo e promover a diversificação da matriz elétrica, o governo federal irá retomar, em abril de 2009, as obras da usina nuclear Angra 3, projeto que estava paralisado há 22 anos. Para a decisão de retomar as obras da usina concorreu o fato de o país ter enfrentado, no início de 2007, um período de fragilidade do sistema elétrico, provocado por um período de seca mais duradouro. Outro fato que influenciou a decisão foi a alta internacional do petróleo, que tornou a energia nuclear mais competitiva.

"Além de Angra 3, deverão ser construídas, até 2030, outras quatro ou seis usinas, a depender do ritmo do crescimento econômico nesse período", prevê o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim.

Os técnicos do setor lembram que as usinas nucleares não emitem poluentes, o que as credencia, em relação às térmicas movidas a combustíveis fósseis (carvão, óleo diesel, óleo combustível) a se transformar em complemento para a geração. E mais: o Brasil possui imensas reservas de urânio e domina a tecnologia de enriquecimento do mineral para a fabricação do combustível nuclear.

Angra 3 já absorveu, até 2007, investimentos da ordem de R$ 1,5 bilhão e deverá custar outros R$ 7,2 bilhões até o término das obras, segundo informações da Eletronuclear, o braço do Grupo Eletrobrás dedicado à administração do parque nuclear nacional. O início de operações está programado para 2014, quando a usina deverá agregar ao sistema elétrico nacional 1.350 MW de capacidade instalada.

De acordo com o assistente da diretoria da Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães, a empresa está realizando os preparativos para o reinício das obras de Angra 3. A licença prévia do empreendimento, primeiro passo do licenciamento ambiental, foi obtida em julho. Em setembro, a Eletronuclear recebeu do Ibama e da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão regulador do setor nuclear, a autorização para instalação do canteiro de obras da usina. "O próximo passo deverá ser a liberação da licença de instalação, que acreditamos ocorrerá entre o final de dezembro e o início de janeiro", prevê.

A revitalização dos projetos de centrais nucleares é um fenômeno mundial, explica o diretor de comunicação da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Édson Kuramoto. Segundo ele, os Estados Unidos está planejando a construção de 50 usinas nucleares. "Há até casos como o da Itália, que havia banido a energia nuclear e que já reviu esse posicionamento", acrescenta o diretor da Aben.

Com esse movimento mundial, Kuramoto prevê que o Brasil, que detém enormes reservas de urânio, terá um excelente mercado no futuro. Segundo ele, a construção de novas usinas viabilizará também a expansão da exploração de urânio no país.

O coordenador de Campanha de Energias Renováveis do Greenpeace, Ricardo Baitelo, contesta os benefícios citados. "As usinas nucleares não emitem poluentes, mas existe uma enorme emissão no ciclo de produção do urânio", diz. O Greenpeace afirma também que não se inclui no custo de geração das usinas nucleares os gastos a serem realizados com o descomissionamento - a desmontagem - das usinas nucleares após o final da vida útil. O custo dos depósitos de rejeitos também não são computados. "Somente o descomissionamento representa um custo de US$ 1 bilhão", diz ele.