Título: Disputas geopolíticas vão manter preços elevados
Autor: Rockmann, Roberto
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2008, Especial, p. F4

O desafio do setor de energia no mundo todo será imenso nos próximos anos: produzir mais para atender a um consumo crescente, ao mesmo tempo em que reduz as emissões de gases que causam o efeito estufa, ou seja, conciliando o crescimento dos países em desenvolvimento e redução da pobreza com o equilíbrio ambiental. Como responder a esse desafio? Para buscar responder a essa questão e antecipar-se às perspectivas futuras, a Shell divulgou recente estudo em que analisa premissas e traça dois cenários possíveis para o setor até 2050. Divulgação Serge Giacomo: "Estamos em momentos críticos, de grande impacto no futuro"

"Os próximos cinco anos que teremos pela frente serão fundamentais para que uma parte desse desafio seja respondida", afirma o vice-presidente da Shell, Jeremy Bentham. "Tomar decisões leva tempo e as tecnologias adotadas em cinco anos serão utilizadas pelas indústrias nas duas próximas décadas, por isso que estamos em momentos críticos que terão grande impacto no futuro", diz Serge Giacomo, diretor da Shell. Os dois executivos falaram pelo telefone ao Valor, de Houston, nos EUA.

A Shell trabalha com algumas premissas. Primeiro, a demanda por energia irá crescer com a expansão da população mundial e dos países em desenvolvimento, como China e Índia, que ampliarão a sua industrialização e consumirão mais energia. Em 2000, o mundo tinha cerca de seis bilhões de habitantes. Em 2025, serão cerca de oito bilhões e, em 2050, o número irá pular para cerca de nove bilhões de pessoas, sendo que mais de 70% da população mundial estará localizada em países que não pertencem à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Segunda premissa: a partir de 2015 haverá obstáculos para que grandes produtores de petróleo e gás extraiam mais de poços com custo mais baixo de exploração para atender à alta da demanda. Uma possibilidade para alguns seria aumentar a exploração de carvão mineral, mas problemas logísticos e ambientais tornam seu uso difícil. Os biocombustíveis podem aumentar sua inserção na matriz energética mundial nesse cenário, mas não serão a panacéia do problema de escassez das fontes. Nesse contexto, disputas geopolíticas por energia poderão ocorrer e o preço da energia deverá continuar em patamar elevado.

divulgação Jeremy Bentham: "Próximos cinco anos serão fundamentais para o setor" Por fim, as pressões sobre o meio ambiente crescem e o aumento das emissões de gás carbônico já traz problemas visíveis aos olhos de milhões de pessoas ao redor do mundo. Reduzir as emissões em um cenário de crescimento populacional e de industrialização de países emergentes não será tarefa fácil.

Nesse contexto, a Shell trabalha com dois cenários plausíveis de acontecer até 2050. No primeiro, intitulado de "scramble", os países se apressam a garantir mais energia para si próprios. É um mundo de competição intensa entre nações na corrida individual para garantir mais energia. As respostas políticas à escassez de energia e à mudança climática são, muitas vezes, severas e impulsivas, acarretando picos de preço, períodos de desaceleração econômica e turbulência crescente.

Apesar da retórica sobre a necessidade de adoção de medidas para combater o aquecimento global e a emissão de gases que causam o efeito estufa, os países, nesse cenário, não adotam ações efetivas e imediatas em relação ao tema. Simultaneamente, a disputa entre eles por fontes seguras de abastecimento energético impede uma solução global para o aquecimento da Terra. Reduzir o consumo de energia e investir em eficiência energética é um assunto complicado para as economias emergentes, que temem desaceleração econômica e, portanto, postergam uma decisão. Nesse contexto, em 2050, a concentração das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera se aproxima de níveis muito superiores àqueles que os cientistas definem como seguros.

Já o cenário "blueprint" é inicialmente desordenado, com iniciativas locais resultando em uma colcha-de-retalhos de políticas e enfoques diversos para lidar com os desafios do desenvolvimento econômico, segurança energética e mudanças climáticas. Mas, desses esforços descentralizados, emerge um arcabouço de política global - e com ele um custo global da emissão de gases de efeito estufa - que impulsiona a inovação, aumenta a eficiência energética e ajuda a manter um crescimento econômico regular. Em 2050, os níveis dos gases de efeito estufa no cenário "blueprint" estão a caminho de uma estabilização em patamares muito inferiores àqueles do cenário anterior.

A crise global poderá ter impacto sobre os cenários? "Difícil precisar. A crise poderá tanto levar a um cenário quanto ao outro, mas ainda mantemos nossa crença de que os dois cenários ainda são factíveis de ocorrerem, mesmo com a crise", afirma Bentham. "O importante é ter em mente que esses próximos cinco anos são críticos e que decisões tomadas nesse período terão influência na indústria pelos próximos 15, 20 anos", observa o executivo.

Em ambos os cenários, há alguns pontos que emergem - o uso de energia cresce nos dois cenários e nenhuma nova fonte de energia ou tecnologia pode, por si só, satisfazer a demanda e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões de gás carbônico. Pelo contrário, é preciso obter mais energia de todas as fontes. Os combustíveis fósseis continuam fornecendo mais de metade da energia global, embora lhes caiba uma parcela menor do que os mais de 80% do suprimento total de energia a que correspondem atualmente.