Título: Conservar energia vira prioridade para o governo
Autor: Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 23/10/2008, Brasil, p. A4

Que a principal fonte da matriz energética brasileira é a hídrica não é novidade para ninguém, mas que conservação e co-geração possam ser, respectivamente, o segundo e o terceiro pilares, é surpreendente. Este cenário foi apresentado ontem, por Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), durante seminário em São Paulo. "Significa, em 2030, que podemos ter uma economia de 207 terajoule/hora. Equivale a dizer que, sem isso, teríamos que colocar mais três Itaipus no Plano de Expansão."

Tolmasquim se referia a dois processos energéticos em curso, que ele identifica como voluntário e induzido. No primeiro caso, a economia de energia acontece naturalmente, pela troca de equipamentos antigos por outros mais modernos, por exemplo, ou por hábitos adquiridos à época do apagão. O segundo caminho depende de ações do governo. "E além disso há a auto-produção de setores como papel e celulose, petroquímica etc. Isso significa uma fatia de mais cerca de 10%", prosseguiu Tolmasquim para 200 executivos reunidos no seminário "Cenários para o Setor de Energia", promovido pelo Valor, com patrocínio da Shell Brasil. "Sobre isso ninguém fala", protestou.

Tolmasquim aproveitou sua palestra para rasgar elogios ao ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e ao presidente do Ibama, o geógrafo Roberto Messias Franco. "Nunca tivemos duas pessoas tão boas à frente do Ministério e do Ibama", elogiou, para em seguida alfinetar ONGs e Ministério Público que "judicializam projetos hidrelétricos". Continuou: "O Brasil corre o risco de causar a maior emissão de gás carbônico de sua história", lembrando que o sistema tem que acionar térmicas quando as hidrelétricas atrasam.

O governo, adiantou, tem estudado como otimizar o processo ambiental imaginando, por exemplo, fazer o licenciamento no inventário da bacia. Sobre as fontes alternativas, disse que a agência está analisando o segmento eólico para, no ano que vem, possivelmente realizar um leilão específico para a energia dos ventos.

"Os países tendem a se comportar de maneira muito similar", começou Serge Giacomo, diretor de comunicação corporativa da Shell Internacional. "Conforme o país fica mais próspero, mais aumenta a demanda por energia", continuou. "O cenário só se modifica quando a nação muda seu perfil e passa a ter mais serviços, mais tecnologia e maior eficiência energética." Segundo ele, possivelmente em 2050, o mundo precise de 1,5 vez o volume de energia de hoje.

A Shell trabalha com dois cenários globais para a metade deste século. O nome de um deles - scramble, que na forma adjetivada identifica, por exemplo, ovos mexidos - já diz tudo. O outro, blueprint, sugere um horizonte mais planejado, um "mundo onde há mais coalizões, lobbies para regulamentação, gestão de CO2 veículos elétricos", prosseguiu Giacomo. Os dois cenários, diz ele, são possíveis. "O certo é que todos vamos ter que enfrentar verdades duras e escolhas difíceis." A Shell, disse o executivo, acredita que o mundo blueprint é o caminho a ser seguido, com mecanismos de mercado para o carbono, metas de redução de CO2 padrões de eficiência energética, metas para fontes renováveis, regulamentação e certificações. Enquanto isso, a petrolífera aposta na consolidação de uma tecnologia que capture e seqüestre CO2 da atmosfera. Atualmente há experiências de enterrar o CO2 em curso na Alemanha, Austrália e Noruega. A Shell também gostaria de ter uma fatia do mercado de créditos de carbono: "Uma tonelada de CO2 armazenado equivale a uma tonelada de CO2 evitado", comparou.

Suzana Kahn, secretária de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do MMA, pediu sugestões e comentários para o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, que o governo divulgou recentemente. Nesta primeira fase, o plano está em processo de consulta pública, para depois voltar ao crivo dos 17 ministérios envolvidos e ser apresentado pelo governo brasileiro na conferência do clima, em dezembro, na Polônia. "Não é um plano estático. Ele incluirá correção de rumos ou conquistas que obtivermos", disse Suzana. Em meados de 2009, deve-se incluir ao plano mecanismos de avaliação e monitoramento. "Temos metas mais ambiciosas do que estão aqui. Precisamos, agora, é de estratégias para conseguir superar os obstáculos", prosseguiu. "Eu acredito que a forma mais barata, limpa e segura de trabalharmos com energia é usando menos."

Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra-Amazônia Brasileira, analisou um foco da questão, considerando as perdas do setor elétrico na distribuição da energia. "Estamos mal", resumiu, valendo-se de dados do Tribunal de Contas da União, de outubro, que indicam que o Brasil perde 20,28% da energia que gera na distribuição - na Argentina a perda seria de 9,9% e na Colômbia, 11,5%. "Estas perdas se comparam a todo o consumo de Minas, Bahia, Ceará e Pernambuco", prosseguiu. "A sociedade precisa cobrar para que sejam alteradas as políticas pró-ativas de desperdício e adotadas políticas pró-ativas de eficiência."