Título: De volta ao poço
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 23/10/2008, Investimentos, p. D1

A instabilidade voltou com força aos mercados ontem e deve ter seus reflexos nas cotas dos fundos de investimento nos próximos dias. Além da queda da bolsa para o menor nível desde setembro de 2006, que afetará os fundos de ações, e da alta do dólar, de 12% em dois dias, chama a atenção o forte ajuste dos juros dos títulos públicos, de mais de um ponto percentual ao ano. Ontem, os papéis prefixados longos, as NTN-Fs, com vencimento em janeiro de 2012, preferidas dos estrangeiros, chegaram a pagar 17,77% ao ano, para 16,17% do dia anterior.

Essa alta deverá atingir em cheio os fundos de renda fixa, que têm papéis prefixados, e até alguns fundos DI. O impacto vai ser diretamente proporcional à porcentagem de prefixados de cada carteira e do prazo dos títulos, mas é provável que vários renda fixa tenham cotas negativas hoje. Fundos multimercados que achavam que o pior da crise já tinha passado e arriscaram aumentar aplicações em câmbio, bolsa e juros também devem sofrer. Mas a maioria dos gestores vinha mantendo a maior parte do dinheiro em caixa ou no overnight, o que deve limitar as perdas.

A alta dos juros refletiu ontem um misto de medo dos mercados com a saúde financeira dos bancos e com o impacto da alta do dólar na inflação e uma aversão maior ao risco no exterior com relação aos países emergentes por conta de a Argentina estar estatizando o setor de previdência privada. O receio aqui começou ironicamente com as medidas do governo para que bancos oficiais possam comprar instituições privadas em dificuldades, levantando a questão da existência de problemas. Havia boatos de fundos estrangeiros em dificuldades liquidando posições na BM&FBovespa e vendendo títulos para honrar compromissos no exterior. Por isso o impacto forte nos papéis de 2012, mas que se espalhou para outros vencimentos e títulos .

"Muitos vêem a América Latina como uma coisa só e ficam com medo que o que a Argentina fez ocorra aqui", afirma André Schibuola, sócio da Precision Asset Management. O ambiente de forte oscilação acaba contaminando ainda outros investidores, que também saem do mercado para reduzir seu risco, criando um círculo vicioso. "Não me surpreenderia se hoje mais gente saísse do mercado por exigência de suas áreas de controle de risco ao ver os números de ontem", diz Schibuola. Para ele, os fundos de renda fixa vão sofrer com a puxada dos juros. "Devemos ter números péssimos nas cotas, tanto por conta dos papéis públicos, quanto dos privados, que também devem ter subido", diz.

Olhando para além da crise, a alta dos juros acaba criando oportunidades para o investidor. Depois do ajuste das cotas, a rentabilidade das carteiras de renda fixa deve aumentar para quem entrar agora. Papéis indexados à inflação também se tornam atrativos, com remuneração real perto de 10% ao ano mais a variação do IPCA, com a proteção adicional para o caso de a alta do dólar pressionar os preços.

Se olharmos o comportamento do mercado de juros, o que ocorreu foi uma típica zeragem de posição, quando os investidores vendem tudo e saem do mercado, diz Marco Sudano, diretor de Tesouraria do Itaú. "Basta olhar o comportamento distinto entre o dólar e os juros", diz. Ontem, o dólar subiu 6,67%, perto dos 4,99% do dia anterior, acumulando 12% em dois dias. Mas o juro, que havia subido menos de 0,50 ponto percentual no dia anterior, avançou em média 1,20 ponto percentual, proporcionalmente muito mais que o dólar. "O que parece é que alguém teve de zerar suas aplicações e vendeu a qualquer preço, puxando as taxas", explica. E isso leva outros participantes do mercado a fazerem o mesmo.

Sudano lembra que o mercado brasileiro de renda fixa tem bastante participação de estrangeiros, seja diretamente nos mercados da BM&FBovespa, seja no exterior, por meio de um banco intermediário. Esse banco, por sua vez, acaba fazendo sua proteção, ou seja, o hedge, na BM&FBovespa. "O que pode ter acontecido é que um banco resolveu liquidar a posição de um cliente no exterior e com isso o obrigou a vender os papéis aqui", afirma Sudano. Ele lembra que os bancos, pelo aperto de liquidez, estão mais rigorosos com relação às margens de garantia. "No exterior, os negócios não são feitos em bolsa, são no mercado de balcão, e os ajustes de garantias são feitos de acordo com critérios de cada banco", diz. É diferente da BM&FBovespa, onde o ajuste das perdas e ganhos é diário. "Pode ser que o banco resolveu apertar as margens do cliente no contrato de balcão e ele resolveu vender tudo", diz. A pressão maior nos papéis de 2012 seria outro sinal de que o culpado da oscilação seria um estrangeiro.

Para Sudano, as taxas de juros ficaram completamente desconectadas do fundamento. Ele explica que o comportamento dos juros é diferente do do dólar, pois não é possível definir um valor justo para a moeda. "No câmbio, o que há é um preço de equilíbrio, a partir do qual há vendas ou compras, mas no juro, os participantes fazem contas e chegam ao que consideram um valor justo para as taxas no futuro", explica. Por isso, a propensão do mercado em assumir posições de maior risco é maior no juro do que no câmbio. E as taxas são também freqüentemente confrontadas com as decisões do Banco Central no Copom. Para ele, as taxas justas são mais baixas que as atuais. "Mas no curto prazo, podem subir ainda mais", diz ele. A oportunidade seria para quem olhar para o médio prazo, explica.