Título: Petrobras investiga suspeita de uso de tubos falsos em usina térmica
Autor: Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 23/10/2008, Empresas, p. B9

Um caso de falsificação está agitando o mercado de tubos de aço para a indústria de petróleo e gás no Brasil. O episódio envolve o fornecimento de tubos com evidências de serem falsos para uma usina térmica da Petrobras em Cubatão (SP), a cargo do consórcio Skanska-Camargo Corrêa. A descoberta dos tubos levantou dúvidas sobre a eficiência dos sistemas de fiscalização e controle da Petrobras no recebimento de materiais utilizados em obras contratadas junto a empreiteiras. O tema preocupa fabricantes e distribuidores de tubos de aço e relaciona-se diretamente com a segurança operacional de instalações como gasodutos, refinarias e termelétricas. Jefferson Dias/Valor Santos, gerente comercial da Marubeni-Itochui Steel Brasil, identificou o material falsificado em Jacareí (SP) e comunicou à diretoria da Petrobras

Há indícios de que o caso pode ter sido descoberto por acaso, o que reforça a desconfiança de agentes do mercado sobre a eficácia do sistema de fiscalização da estatal. Em grandes projetos, como gasodutos, a Petrobras teria controle maior sobre o material recebido, já que ela costuma fazer a compra dos tubos diretamente dos fabricantes, dizem fontes do setor. Já nos projetos em que a Petrobras contrata empreiteiras para fazer todo o serviço de engenharia, suprimentos e construção, o chamado EPC, os critérios de rigidez seriam os mesmos, mas a fiscalização, não.

A Petrobras informou que, contratualmente, é previsto um sistema de qualidade pelo qual as empresas construtoras, as chamadas "epecistas", têm de apresentar todos os certificados de materiais adquiridos. Segundo a empresa, existem procedimentos de fiscalização que são auditados de forma periódica. Há listas de verificação nos sistemas de gestão da qualidade das empresas contratadas e fiscalização permanente em todos os locais de execução dos serviços, informou a estatal. De acordo com ela, houve "atuação direta" sobre o consórcio Skanska-Camargo Corrêa para apuração dos fatos.

A Petrobras afirmou que as compras são feitas tendo como base o cadastro de fornecedores da empresa. Em contratos de EPC, a Petrobras exige, segundo afirmou, que os fornecedores dos "epecistas" sejam cadastrados. Em situações nas quais se comprova a impossibilidade de aquisição do produto em empresas cadastradas, é possível comprar de outros fornecedores. Isso exige, porém, uma avaliação da capacidade técnica do potencial fornecedor.

Episódios sobre a suposta adulteração de tubos no mercado brasileiro já foram registrados no passado. O Valor teve acesso às informações de outro caso controverso que ocorreu em 2005 entre a Tenaris Confab e o distribuidor Sanko-Sider. Em 2008, problema semelhante se repetiu, dessa vez com maior gravidade e envolvendo outras empresas. Em 21 de maio, o gerente comercial da Marubeni-Itochui Steel Brasil, Sergio Santos, visitou as instalações da Ebse, em Jacareí (SP), para vender produtos da siderúrgica japonesa JFE à fabricante brasileira de tubos, que tem matriz no Rio de Janeiro.

A Marubeni-Itochui Steel Inc., no Japão, é uma das distribuidora dos tubos de aço da JFE em vários mercados, inclusive no Brasil. Santos foi informado pela diretoria da Ebse que um cliente contratara serviços para um lote de tubos JFE, que encontrava-se no pátio da empresa. A Ebse estava montando um "spool", peça formada por conexões de tubulações, para obra da usina de Cubatão. Ao vistoriar os tubos, constatou-se a fraude na procedência.

Os tubos, um lote de 416,5 metros, tinham em seu interior a inscrição "made in Japan" e a sigla JFE-F, que identifica o fabricante e a unidade de produção, no caso Furukawa, no Japão. Entre outras informações, os tubos também levavam a inscrição Edgen, nome de um distribuidor da JFE no mercado americano. O problema é que os tubos tinham duas soldas longitudinais, tipo de processo industrial não utilizado pela JFE. Apesar de terem a inscrição indicando comprimento de 40 pés, cerca de 12 metros, os tubos mediam cerca de 6 metros cada um.

Os tubos foram fotografados e Santos comunicou o fato à JFE, em Houston, nos Estados Unidos, e enviou comunicado à Petrobras. "Minha preocupação foi, sobretudo, com questões de segurança relacionadas ao uso desses tubos", disse Santos. No comunicado à Petrobras, endereçado ao diretor da área de serviços, Renato Duque, a Marubeni-Itochu mostrou preocupação em ver tubos falsos identificados como da JFE. O Valor falou com representante da JFE, em Houston, que confirmou que a fabricante japonesa só faz tubos com uma solda longitudinal. A Edgen também teria informado à Petrobras sobre o problema.

Os tubos foram comprados pelo consórcio Skanska-Camargo Corrêa, que tem contrato com a Petrobras para construir em sistema "turn-key" a usina termelétrica Euzébio Rocha, em Cubatão (SP). Em 2007, no início de construção, a previsão era de que a térmica, com capacidade instalada de 208 megawatts (MW), começasse a operar no segundo semestre de 2008. O consórcio informou em nota que, em 11 de junho, identificou que os 416,5 metros de tubos encomendados para a montagem da térmica "não correspondiam à procedência indicada".

Segundo o consórcio, o material foi devolvido ao fornecedor a partir de 26 de agosto. Em nota, o consórcio afirmou que os tubos foram comprados de fornecedores cadastrados (junto à Petrobras) e que a documentação apresentada foi verificada, "mostrando-se de acordo". Os tubos foram substituídos por material comprado de outro fornecedor. "A aquisição de suprimentos do consórcio segue todos os requisitos de aquisição e rastreabilidade exigidos pela Petrobras", afirmou o consórcio por e-mail.

Ele disse que, após questionamento feito pela Petrobras, promoveu averiguação direta junto ao fabricante, que não confirmou a procedência informada na documentação do fornecedor. Questionado se poderia haver falhas no sistema de recebimento de materiais, o consórcio disse que o sistema é rigoroso e submetido a constante aperfeiçoamento. "O material foi adquirido de fornecedor cadastrado por nosso cliente, sendo que a checagem do material e a conferência da documentação foram realizadas seguindo os mesmos parâmetros."

O consórcio não informou o nome do fornecedor, mas o Valor confirmou que a venda partiu da empresa Inbranox, de São Bernardo do Campo (SP). O gerente de vendas da Inbranox, Paulo Roberto de Castro Marinho, disse que comprou os tubos de uma empresa chamada National Fire, de Diadema (SP). "A Inbranox retirou os tubos de lá (da Ebse), o material foi sucateado e tive prejuízo, pois o fornecedor (a National Fire) não aceitou a devolução", disse. A reportagem tentou, sem sucesso, falar com a National Fire no número fornecido pela Inbranox, cadastrada na Petrobras como revendedora de fabricantes de tubos.

Segundo a Petrobras, foi instaurado processo de apuração dos fatos, ainda não concluído. "O resultado da avaliação poderá determinar o grau de responsabilidade da empresa no episódio e, se for o caso, a aplicação da penalidade correspondente."